Titular da cadeira de negociação em Harvard, William Ury esteve em São Paulo nesta terça-feira, 19, para falar de um projeto que pretende levar estabilidade ao Oriente Médio por meio do turismo. O projeto Caminho de Abraão foi idealizado após uma conversa com o brasileiro Alexandre Chade, hoje patrono da ONG de mesmo nome no País. Em fase final de implementação, o objetivo do trabalho é montar uma rota de peregrinação com mais de mil quilômetros que vai do berço ao túmulo de Abraão, figura que aparece em todos os livros sagrados das religiões monoteístas que nasceram no Oriente Médio: cristianismo, judaísmo e islamismo
“Este projeto funciona porque cresceu desde a base até a parte de cima, porque as verdadeiras partes interessadas são as comunidades e os camponeses no caminho”, justifica Ury. Nos últimos seis anos, ele tem viajado à região para conversar com comunidades locais e apresentar o projeto a moradores de pequenos vilarejos da Turquia, Palestina, Israel, Jordânia e Egito. O raciocínio por trás do projeto é unir governos da região em torno de uma atração turística lucrativa e da história de Abraão, comum às três religiões. O projeto também traria benefícios aos moradores de vilarejos ao longo da rota.
Nesta terça-feira, o evento de apresentação do projeto também serviu como lançamento do livro “Como chegar ao ‘Sim’ com você mesmo”. Seu primeiro trabalho, o livro “Como chegar ao sim”, já vendeu mais de 15 milhões de cópias no mundo. Além disso, foi anunciada oficialmente a corrida ‘Caminho da Paz’, que promove a convivência entre comunidades judaicas, cristãs e muçulmanas em São Paulo.
Uma mesa ao canto do salão reunia representantes religiosos das três religiões. Almoçando ao lado de um padre ortodoxo, o Sheikh Houssan El-Boustani, membro do Conselho Superior dos Teólogos e Assuntos Islâmicos do Brasil, ressaltou que o esforço de congregar instituições de várias vertentes religiosas no Brasil não é de hoje. “Estamos nessa luta para unir as pessoas de ambas as religiões há quase seis anos”, lembrou. “A boa convivência no Brasil deve servir como exemplo para outros lugares do mundo.”
O entusiasmo foi acompanhado por Raul Meyer, diretor da Federação Israelita. “O Brasil é um exemplo de país em que as diferenças são importantes”, disse Meyer, que é responsável pela área de diálogo com católicos e muçulmanos na federação. “A diferença faz parte da nossa cultura.”
Confira abaixo a entrevista de William Ury ao jornal O Estado de S. Paulo:
O que você notou como melhora ou evolução desde que esse projeto começou, em 2008
Nosso time mapeou 130 quilômetros de caminho em cinco países diferentes: Turquia, Palestina, Israel, Jordânia e Egito. Isso em condições políticas muito difíceis, o que é a parte mais impressionante. Todo projeto [que é decidido] de cima para baixo não funciona. Este projeto funciona porque cresceu desde a base até a parte de cima, porque as verdadeiras partes interessadas são as comunidades e os camponeses no caminho, e os viajantes.
Como isso foi feito?
Quando as pessoas viajam pelo trajeto… Onde elas ficam? Não há hotéis, então elas se hospedam nas casas desses moradores. O que é bem surpreendente, porque você fica na casa de pessoas que nunca receberam estrangeiros. Você consegue imaginar o tipo de encontro que isso representa para os dois lados.
Isso é extremamente poderoso e tem tudo a ver com a história de Abraão. O que ele representa para as três tradições é a hospitalidade. A maioria das pessoas, quando pensam no Oriente Médio, acha que encontrará hostilidade. Mas na verdade, a coisa mais impressionante no Oriente Médio é que todos querem dar boas vindas aos estrangeiros. Você pensa que vai encontrar terroristas, e todo mundo te recebe bem. É uma experiência incrível.
Temos centenas de famílias nesse caminho, e isso é só o começo, que começam ter algum ganho econômico com o projeto. É por isso que o Banco Mundial investe neste projeto. O Banco Mundial nunca investe em um projeto tão pequeno como esse, mas eles viram um grande potencial de inovação. Ele chega aos vilarejos mais pobres, lugares em que os dólares de desenvolvimento raramente chega.
Como você entrou em contato com os vilarejos para fazer isso funcionar?
Oitenta por cento do trabalho é o que chamamos de “alcance à comunidade”, o que significa tomar muitas xícaras de chá, ir de café em café, conversando com as pessoas. Você vai a uma vila, senta lá por um bom tempo e explica às pessoas o projeto. Para eles é um projeto estranho, certo? Então precisamos construir confiança, e daí isso se torna um projeto que pertence ao local.
É um tipo de turismo radicalmente diferente, pois geralmente em uma viagem turística você tem o provedor de serviço e o consumidor. Neste tipo de projeto, são anfitriões e convidados. Você está dando respeito e eles estão recebendo.
Você também está lançando o livro “Como chegar ao Sim com você mesmo”, após lançar uma série de livros sobre negociação. Qual é a diferença entre conseguir o “sim” de outra pessoa e chegar ao “sim” com você mesmo?
A pergunta que eu mais ouvia quando lancei meu primeiro livro [Como chegar ao Sim] é ‘como é possível chegar ao sim quando o outro lado não quer dizer, quando alguém está simplesmente sendo difícil?’ Mas ao longo dos anos me ocorreu que, de alguma maneira paradoxalmente, a coisa mais difícil com que temos de lidar não é a outra pessoa, é você mesmo. É por isso que eu escrevi este livro, que é sobre aplicar técnicas de negociação internamente.
Que tipo de perguntas você teve de fazer a você mesmo para chegar às respostas deste livro?
Para mim, uma das perguntas básicas da negociação é: “O que eu quero?” Negociar é justamente tentar conseguir aquilo que você quer, mas a maioria das pessoas não sabem o que querem. É impressionante como em situações políticas, seja em guerras ou outros conflitos, as pessoas não sabem onde querem chegar. E se você não consegue primeiro chegar ao sim dentro de você mesmo, como você espera chegar ao sim com os outros?