A missionária Dorothy Stang, |
Brasília – O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, em nota divulgada ontem, sugeriu a formação de uma força-tarefa federal para resolver de uma vez por todas o conflito fundiário na região do Pará, que já dura três décadas. Busato condenou o assassinato da missionária Dorothy Stang e cobrou punição rigorosa dos culpados. Para a OAB, se o governo se restringir a tratar o conflito como fato policial isolado, "ele apenas o realimentará, permitindo que a região se transforme numa versão cabocla da Faixa de Gaza".
A OAB sugeriu também que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, comande pessoalmente a força-tarefa, permanecendo no local com a sua equipe o tempo necessário para estabelecer um novo padrão nas investigações. A força-tarefa, segundo a proposta da OAB, deve ser integrada também por Incra, Polícia Federal e Advocacia Geral da União, entre outros organismos.
Eis a nota da OAB:
"O contencioso fundiário do Pará – e da Amazônia como um todo – não é caso de polícia. É questão de Estado. O governo federal, por meio dos órgãos envolvidos na matéria – Ministério do Meio Ambiente, Incra, Polícia Federal, Advocacia Geral da União – precisa formar com urgência uma força-tarefa para destrinchar todo o imbróglio jurídico-fundiário que está na base desse conflito, que se arrasta há décadas.
Caso seja restringido, como tem sido praxe, a tratá-lo como fato policial isolado, apenas o realimentará, permitindo que a região se transforme numa versão cabocla da Faixa de Gaza. A morte da freira norte-americana Dorothy Stang é uma entre numerosas outras, que, nas três últimas décadas, escrevem uma história de sangue e injustiça na região. O governo federal tem responsabilidade direta nessa questão, já que o caos jurídico que a gerou se origina das doações de terra feitas pelo Incra ao tempo da construção da Transamazônica, na década de 70. Os títulos de posse foram renegociados pelos titulares antes do prazo legal permitido (cinco anos), enquanto o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) teria titulado as mesmas terras, gerando sobreposição de propriedade.
Desde então, os conflitos não cessaram. Morrem diariamente em decorrência deles muitas pessoas – a maioria agricultores sem-terra e sem influência política. Quando um desses mortos tem alguma notoriedade, como é o caso agora da freira norte-americana e foi o do Padre Josimo, na década de 80, o tema chega à mídia nacional e estrangeira, gera lamentos em uníssono, mas, concretamente, nada se faz para que se resolva. Passados alguns dias, cessam as repercussões e as investigações, e tudo volta à violência de sempre. Até quando? Se persistir a impunidade, há ainda outro grave efeito colateral: o desgaste contínuo da imagem externa brasileira, que alimenta a idéia de que seríamos incapazes de gerir a Amazônia, tese tão do agrado das potências que a cobiçam.
O caso em pauta exige a presença da própria ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no local, à frente da força-tarefa, pelo tempo necessário para deflagrar um novo movimento em relação àquele conflito, com vistas a resolvê-lo definitivamente. Não há meio mais eficaz de se fazer justiça não apenas à freira norte-americana, mas a todo o cortejo de mortos que a precederam e aos que já a estão sucedendo."
Missionária afirmava que não iria fugir
São Paulo – Em uma de suas últimas entrevistas, em novembro, a missionária americana Dorothy Stang disse que apesar das ameaças que vinha recebendo – desde 1999 ela aparecia em uma "lista negra" de fazendeiros e madeireiros da região de Anapu, no Pará, – não tinha medo. "Não quero fugir, nem abandonar a luta dos camponeses que vivem sem nenhuma proteção em plena selva", afirmou. "Tenho todo o direito de aspirar a uma vida melhor, uma terra em que possa viver e produzir com dignidade e respeitando o meio ambiente."
Desde que começou a ser ameaçada de morte, a missionária manifestou às colegas da congregação Notre Dame, da qual fazia parte, o desejo de ser enterrada em Anapu. A religiosa, que para muitos era comparada ao líder seringueiro Chico Mendes, morto em dezembro de 1988, naturalizou-se brasileira e há cerca de 40 anos vinha atuando na linha de frente dos movimentos sociais no Pará. O trabalho da missionária rompeu a barreira da Vila de Sucupira, em Anapu, região da Transamazônica localizada a 500 quilômetros de Belém, ganhando repercussão internacional.
Em dezembro, recebeu o prêmio José Carlos Castro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e foi elogiada no Senado. Era referência na história da colonização amazônica. Também em 2004, recebeu o título de cidadã do Pará.
Desde 1972, unida às mulheres e agricultores da comunidade Sucupira, ela desenvolvia projetos sustentáveis para geração de emprego e renda com reflorestamento em áreas degradadas. Queria reduzir os conflitos fundiários, mas chegou a ser acusada, em 2001, de instigar a violência. "Quando se trabalha com direitos humanos e pelos pobres costumam te acusar", costumava dizer.
Irma Dorothy participava da Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), desde a sua fundação. Por nota, a CPT lamentou a morte da religiosa que atuava "com firmeza e paixão" na questão agrária no Pará: "A sanha de fazendeiros e madeireiros da região não respeita nada. O inqualificável assassinato da irmã traz para nós a memória de um passado que julgávamos encerrado".
A morte da missionária é a primeira de uma integrante da CPT no governo Lula.
Thomas Bastos promete punição "dura e forte"
São Paulo – O ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos, afirmou ontem que o assassinato da freira americana Dorothy Stang, ocorrido no sábado passado, no Pará, será apurado com rigor e que haverá "repressão penal dura e forte" contra os criminosos. O ministro, que participou do lançamento da segunda etapa da Campanha do Desarmamento em São Paulo, afirmou que está marcada para hoje uma reunião interministerial para tratar do assunto, com a participação de cerca de sete ministros.
Bastos informou ainda que uma equipe da Polícia Federal seguiu, ainda ontem, para a cidade de Anapu, no oeste do Pará, para reforçar a segurança. Segundo o ministro, a morte da freira não deverá gerar uma crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos, pois ela fazia importante trabalho no Brasil, numa região complexa. Bastos afirmou que a área de conflito é extensa e só agora a presença do Estado começa a se manifestar na região. Segundo ele, antigamente não havia a presença dos governos federal e estadual.
"Há um trabalho grande na região para tentar "civilizar" os problemas no campo. Isso provoca reações e violência. São coisas reiterativas no Brasil. A resposta que temos é uma repressão penal dura e forte", disse Bastos.
As ameaças de morte contra a freira vinham ocorrendo há seis meses e foram levadas ao conhecimento da Secretaria de Segurança Pública do Pará, segundo a OAB do estado. Dorothy atuava com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e trabalhava há mais de oito anos com as comunidades e movimentos sociais na região da Rodovia Transamazônica para incentivar o desenvolvimento sustentável. No mesmo evento, o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Cláudio Hummes, criticou a falta de segurança para garantir a vida das pessoas, principalmente das que atuam em trabalhos comunitários em regiões de conflito no País.
"Falta muito em termos de segurança. Deveria ter mais empenho na proteção da população, principalmente das pessoas vulneráveis, como era o caso da irmã Dorothy", afirmou o arcebispo. Dom Cláudio disse que o assassinato foi "torpe" e que Dorothy era um exemplo da importância de combater a violência e lutar pelos injustiçados.
Juiz decreta prisão de quatro suspeitos
Belém – O juiz substituto da Comarca de Pacajá, no Pará, Lauro Alexandrino Santos, decretou a prisão preventiva de quatro suspeitos de envolvimento na morte de Dorothy Stang. A prisão foi pedida pelo delegado de Anapu, Marcelo Ferreira de Souza Luz, que está à frente do inquérito policial que investiga o crime. Os suspeitos são: José Maria Pereira e Uquelano Pinto, pistoleiros; Amauri Cunha, intermediário; e Vitalmiro de Moura, mandante do crime.
No despacho, o juiz concluiu que "está confirmada a participação dos indiciados". O envolvimento dos suspeitos foi visto por três testemunhas. A principal é o agricultor que estava com Dorothy e que fugiu para a mata após os tiros.
Segundo uma testemunha, a freira americana chegou a ler trechos da Bíblia para os pistoleiros que a assassinaram. Um agricultor que estava com a religiosa no momento do assassinato disse -em depoimento ao "Fantástico", da TV Globo – que os bandidos teriam rendido Dorothy e perguntado se ela tinha alguma arma. A testemunha, que não quis ser identificada, contou que a freira disse que a única arma que trazia era a Bíblia, tirando, em seguida, o livro da bolsa e lendo trechos para os assassinos. Após escutarem a leitura, a testemunha disse que os bandidos começaram e atirar em Dorothy. Os agricultores que estavam com a freira fugiram correndo pela mata. Segundo o Instituto Médico-Legal de Belém, que examinou o corpo, Dorothy foi atingida por seis tiros. A freira trabalhava há mais de 30 anos na região Amazônica defendendo trabalhadores rurais e lutando por seu assentamendo em terras tomadas por madeireiras. Nos últimos meses, lutava para expulsar grileiros de um lote incluído no projeto de assentamento rural de Anapu.
Na semana passada, ela teve uma reunião com o secretário Nilmário Miranda. No encontro, a missionária denunciou que quatro pessoas da região estavam recebendo ameaças de morte. A freira pertencia à ordem das Irmãs de Notre Dame de Namur, um grupo de mais de duas mil mulheres que trabalham em cinco continentes. Dorothy dizia não acreditar que as ameaças de morte que vinha sofrendo fossem reais.