Na tarde desta quinta-feira, 1º, o policial militar Vitor Cristilder sentou no banco dos réus do Fórum Criminal de Osasco, na Grande São Paulo, para dar sua versão sobre o dia da maior chacina da história de São Paulo, que terminou com 17 mortos e sete feridos na cidade e em Barueri, em agosto de 2015. Aos jurados, ele alegou ser inocente, narrou seu álibi e mudou o depoimento sobre a troca de mensagens com o guarda civil Sérgio Manhanhã, já condenado pelo crime. Vestido com a mesma roupa há três dias, uma camiseta salmão, calça jeans e tênis, também falou da infância pobre e do orgulho de ser policial militar. “Nunca eu ia matar um cidadão de bem”, disse.
Uma das provas contra Cristilder é uma conversa de WhatsApp, recuperada por investigadores, que ele teve com Manhanhã na noite dos ataques. O Ministério Público, responsável pela acusação, sustenta que o PM enviou sinais de “joinha” e o guarda respondeu da mesma forma, antes do início dos ataques. Após o último homicídio, houve mais uma troca de mensagens. O PM mandou um “joinha”. O GCM respondeu com outro “joinha” e um sinal de “braço forte”.
Para a acusação, a coincidência de horários indica que os dois estavam falando sobre a chacina. Julgado em setembro, a prova foi suficiente para Manhanhã pegar 100 anos e 10 meses de prisão.
Em plenário, o réu disse que, na verdade, a troca de mensagens era sobre o empréstimo de um livro de Direito Administrativo – a mesma versão apresentada por Manhanhã. “Eu estava estudando para um concurso de sargento há uns três meses”, afirmou.
Segundo ele, os dois tinham combinado de o GCM entregar esse exemplar na sede da Força Tática do 20º Batalhão do Metropolitano, onde o Cristilder era lotado, mas o guarda não conseguiu passar por lá porque estavam acontecendo os ataques na cidade.
A juíza Élia Kinosita Bulman, responsável por presidir o Tribunal do Júri, questionou mais de uma vez o réu sobre como, apenas por troca de sinais, eles poderiam entender que se tratava do empréstimo de um livro que acabou nem sendo entregue. “Infelizmente, minha inteligência não consegue entender”, disse.
Cristilder, no entanto, incluiu no seu depoimento uma informação que nunca havia dito antes. “No caminho para casa, eu mandei um (fez um sinal de ‘legal’ com a mão) e um ‘homenzinho correndo’, significando que fui para casa”, disse aos jurados. “Todos os dias eu falo: ‘Deus, tem uma pessoa inocente presa porque eu pedi um livro. Uma pessoa íntegra pegou mais de 100 anos por causa de mim.”
“O senhor passou mais de dois anos presos, foi ouvido em audiência e só agora lembrou dessa mensagem?”, perguntou o promotor Marcelo Alexandre de Oliveira no interrogatório. Após o fim da sessão, voltou a comentar o assunto. “No Brasil não há crime de perjúrio, é uma mentira deslavada”, disse. “É claro que os jurados viram o caráter da pessoa. A pessoa quanto mais fala, mais demonstra o caráter, sente se é contraditório ou não.”
O advogado João Carlos Campanini, que defende o réu, não quis falar com a imprensa.
Policial de rua
Cristilder falou por mais de duas horas, citando, de cor, páginas do processo e chegando a bater na mesa nos momentos em que queria demonstrar indignação. Também fez, ponto a ponto, questionamentos sobre a investigação policial e a fala de testemunhas, principalmente a da pessoa que o reconhece como autor de um homicídio em Carapicuíba, uma semana antes. “Eu sou inocente de todos esses crimes”, foi a primeira coisa que falou.
Segundo seu depoimento, ele trabalhou das 6h45 às 19 horas no dia 13 de agosto. Então, informou a um colega que um GCM passaria para entregar um livro, subiu para estudar e fazer exercícios na academia. “Fui para o alojamento de cabo, tomei meu banho, sentei na minha cama e, por causa do cansaço, acabei adormecendo”, contou.
Ele teria acordado com o barulho dos radiocomunicadores da PM irradiando os assassinatos que estavam acontecendo na região. “Deve ser por isso que o Manhanhã não veio”, disse que pensou na hora.
Chorou a primeira vez quando falou do esforço de ser cabo, fazer bico de “segurança pessoal VIP”, estudar para concurso e ter de cuida da família. “Meu sangue na veia é de policial de rua”, disse, batendo no próprio braço. “Chegava em casa, meu filho já estava dormindo e eu não dava atenção para minha esposa. Mas o que eu estava fazendo era para melhorar a vida deles.” Nessa hora, o advogado dele chorou junto.
Aos jurados, Cristilder disse que foi aprovado na prova do concurso de sargento, mesmo estando no Presídio Militar Romão Gomes, mas não foi autorizado a fazer exame físico. Também falou de láureas recebidas na PM e de ter prendido supostos membros do Primeiro Comando da Capital (PCC).
“Nunca tive nada na minha vida. Meus pais me criaram com muita dificuldade, mas nunca me desviei para o caminho do mal”, afirmou. “Entregaria a minha vida para proteger um cidadão de bem.”