O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou nota técnica ao Congresso Nacional em que sugere alterações no texto do Projeto de Lei nº 8045/2010, que institui o novo Código de Processo Penal (CPP) brasileiro. No documento, o MPF defende que seja mantida a competência originária da instituição para apurar infrações criminais, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pela própria Câmara dos Deputados, quando rejeitou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37. O documento sugere que seja incluído no texto do novo Código de Processo Penal algumas regras para a utilização do acordo penal.

continua após a publicidade

As informações foram divulgadas pela Secretaria de Comunicação Social da Procuradoria-Geral da República.

A nota técnica foi elaborada pela Câmara Criminal (2CCR) em conjunto com a Secretaria de Relações Institucionais (SRI) do MPF e analisa o substitutivo apresentado pelo relator-geral do PL na Câmara, deputado federal João Campos (PSDB/GO).

Pela proposta do parlamentar, a apuração de crimes passaria a ser de competência privativa das autoridades policiais, podendo o Ministério Público atuar apenas de forma subsidiária, na hipótese de “fundado risco de ineficácia da elucidação dos fatos pela polícia, em razão de abuso de poder econômico ou político”.

continua após a publicidade

Para o MPF, a medida representa “uma tentativa camuflada e velada de ressuscitar a PEC 37, já arquivada pelo plenário da Câmara dos Deputados, além de grave retrocesso no combate à criminalidade”.

A nota técnica lembra que o tema já foi amplamente discutido no País. Em 2013, a Câmara, por 430 votos a nove, rejeitou a proposta de conferir às autoridades policiais competência exclusiva para apurar infrações penais. Já em 2015, o plenário do STF também reconheceu que o Ministério Público tem competência originária para promover investigação de natureza penal.

continua após a publicidade

Na ocasião, o STF entendeu que, se o artigo 129 da Constituição atribui ao Ministério Público a função de promover a ação penal pública, é necessário assegurar os meios necessários para o exercício dessa função, o que inclui a possibilidade de realizar suas próprias investigações.

“Além disso, condicionar a atuação do Ministério Público à hipótese de abuso de poder político ou econômico e ao “fundado risco de ineficácia da elucidação dos fatos pela polícia” – fatos de difícil comprovação – tornaria quase inviável qualquer investigação criminal por parte da instituição”, assinala a Procuradoria.

“A limitação indevida do poder investigatório do Ministério Público ensejará a impunidade de diversas condutas criminosas graves, deixando uma série de bens jurídicos penais (e, consequentemente, direitos fundamentais) sem a devida proteção”, alerta a nota técnica.

O documento reforça que apenas o inquérito policial, que é uma espécie de investigação criminal, é exclusivo da polícia.

O MPF questiona, ainda, o parágrafo 4.º, inserido no artigo 18 do PL, que impõe à investigação criminal realizada pelo Ministério Público as mesmas exigências feitas ao inquérito policial, incluindo o controle periódico de duração pelo juiz responsável.

Segundo a nota técnica, a proposta deve ser alterada, pois o Judiciário não tem competência para realizar o controle externo do Ministério Público. O controle sobre a duração das apurações deve ser realizado pelos órgãos de revisão da própria instituição, a quem compete essa tarefa.

Acordo penal

A nota técnica assinada pela 2CCR e a SRI também sugere a inclusão de dispositivos para melhor regulamentar o capítulo específico do novo CPP que trata da utilização do acordo penal.

O instrumento jurídico permite que, em crimes de menor e médio potencial ofensivo, seja feito um acordo entre acusação e acusado, o que possibilita o encerramento antecipado da persecução penal.

O mecanismo já é utilizado nos Estados Unidos e em alguns países da Europa,e está em expansão na América Latina. A Corte Europeia de Direitos Humanos também defende o uso dos acordos penais, visto que o instrumento possibilita o encerramento mais rápido dos processos criminais, além de desafogar os tribunais.

As medidas propostas pelo MPF no documento busca adequar o novo CPP às normas já previstas na Resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público, que prevê um processo de negociação transparente, com respeito aos direitos fundamentais e aos princípios de ampla defesa e da razoável duração do processo.

A resolução, que já está em vigor, estabelece que todo o processo de negociação seja acompanhado por um defensor, gravado em áudio e vídeo, e celebrado por escrito. Vigoram no Brasil alguns tipos de acordo penal, como a transação penal, acordos de colaboração premiada, justiça restaurativa e acordos de não persecução penal.

“Assim como ocorrido na proveitosa experiência estrangeira, conclui-se que o acordo penal representa um importante instrumento para a realização da justiça penal brasileira, pois, de um lado, garante mais eficiência à persecução penal e, de outro, mais previsibilidade do processo ao acusado”, conclui a nota técnica.

O uso da ferramenta evita a tramitação longa de uma ação penal, com desgaste para as partes envolvidas, além de representar economia de gastos para o Judiciário, diz o documento.