Com o Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia na reta final, com base no instrumento de trabalho divulgado antes do evento e das discussões que vieram a público ao longo deste mês, é possível imaginar um documento que trate de questões urgentes não só da região amazônica: crise climática, questões imigratórias, respeito aos povos e preocupação com os recursos ambientais.
“Todos fomos convidados a desfrutar da criação. Não podemos destruir as coisas do mundo”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo o padre sinodal dom Ernesto Romero, bispo do vicariato apostólico de Tucupita, no nordeste da Venezuela. “Devemos defender a vida do planeta, a vida da Amazônia. Isso é um dom de Deus e um compromisso com Deus. Tenho esperança de que o mundo mude e nos convertamos à vida, ao amor, à paz, à justiça e à esperança.”
“O documento que está sendo preparado deve mostrar que queremos uma Igreja que constrói o reino de Deus e, para isso, devemos assumir o caminho da conversão ecológica”, afirma Romero Dentre os 200 mil habitantes da circunscrição de Tucupita, 30 mil são indígenas.
“O sínodo está proporcionando que construamos relações fraternas e nos dando a riqueza de compartilhar realidades de nossos povos. São realidades muito parecidas, com diferentes situações e riscos”, enumera o religioso. “Em comum, somos povos que amam a vida e queremos defender a vida que Deus nos deu. Somos ameaçados por mineradores e pelas grandes corporações que querem ter uma riqueza fácil, destruindo a natureza. Como bispo da região, trato da tarefa de defesa da vida.”
Pároco da igreja de São Sebastião em Manaus, Amazonas, frei Paulo Xavier Ribeiro acredita que o encontro dos bispos no Vaticano serve para “propor caminhos que consolidem a paz, a integridade da criação e o respeito com todas as pessoas”. “É preciso pensar a realidade que nos cerca, os indígenas, os migrantes, os povos ribeirinhos, as situações todas. Sempre a serviço da vida, da esperança e do amor”, comenta ele, em conversa com a reportagem.
Romero, por sua vez, lembra que a ação de mineração tem poluído os rios que abastecem as comunidades indígenas da região amazônica. “Essa ameaça está quase na sombra e queremos que o sínodo denuncie essa situação”, diz.
Questão cara ao contexto atual da sociedade venezuelana, a crise imigratória também é uma preocupação latente no discurso do bispo venezuelano. “A imigração é um fenômeno da humanidade. Os seres humanos sempre recorreram a essa opção de colocar o caminho em horizonte para encontrar melhores condições para si e para a família. A Igreja não tem solução para o fenômeno mas nos convida a ser homens e mulheres de coração aberto para todos. Ser católico é ser universal, saber que todo ser humano é irmão e irmã”, comenta ele, dizendo que o acolhimento recebido por seus conterrâneos em comunidades brasileiras é “um sinal evidente da fraternidade, do reino de Deus”.
Uma das acadêmicas convidadas para debater as questões do sínodo com os religiosos, a antropóloga Moema Miranda, professora do Instituto Teológico Franciscano e assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), afirma que as discussões realizadas ao longo do mês de outubro foram “extremamente ricas, interessantes e importantes”. “Os diálogos foram qualificados e aprofundados”, pontua ela.
“O tema do sínodo é internacional: como devemos fazer para viver neste planeta, limitado, vivo e vivente, rico, profícuo e extremamente abundante, mas no qual os modos de vida dominante, a produção, a acumulação e o desperdício não estão mais compatíveis”, explica a estudiosa.
“Papa Francisco já diz isso: essa economia mata, não está vinculada à lógica da Terra, à ecologia, à proposta de uma conversão ecológica integral que, de fato, articule os princípios aos níveis pessoal, social, espiritual, coletivo e político. É o grande desafio: esse sistema é impossível e não pode continuar, precisamos de outro caminho.”
Outras questões
“Nossa esperança é que possamos construir uma igreja sempre nessa dinâmica: preocupada com a defesa da vida, a defesa do reino de Deus. E que homens e mulheres possam participar, todos, dessa construção. Somos chamados a reconhecer a dignidade do ser humano, homem e mulher. São muitas as expectativas que teremos sobretudo no campo da participação de toda a comunidade”, afirma o bispo Romero.
Além das questões de natureza ambiental e social, há expectativa de que o documento traga comentários sobre a maior participação feminina na liturgia, além de abrir a possibilidade de ordenação de homens casados, sobretudo em regiões com déficit de sacerdotes, como é o caso da região amazônica.
“Há esperança ativa que haja avanços nas propostas sinodais com audácia e sem medo, que haja novidades carismáticas e ministeriais e, sobretudo, que haja conversão eclesial e não colonialista em relação ao novo rosto amazônico da Igreja e das igrejas”, analisa o teólogo e filósofo Fernando Altemeyer Júnior, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
O caráter sociopolítico das discussões do atual sínodo, em um contexto global de forte polarização ideológica, atraiu críticas aos padres sinodais e ao papa. “Sempre vão existir na Igreja forças conservadoras, porque somos humanos e cada um tem sua visão, sua opinião”, avalia o bispo Romero.
“O importante é deixarmos espaço ao Espírito Santo, porque sempre existiu em nossa igreja latino-americana uma luta pela manifestação do Evangelho. Devemos apontar o horizonte, sem cruzar os braços diante das dificuldades que nos aparecem durante a vida. É preciso debater, sobretudo com espírito de solidariedade e de busca pela verdade. Ninguém tem a verdade no bolso, a verdade está no Evangelho. Nós estamos chamando a conversão pastoral e ecológica, assumindo o compromisso de viver no reino de Deus e na justiça”, defende ele.