Com menos de R$ 5 é possível comprar um pacote de absorventes em farmácias, perfumarias e supermercados. O valor, simbólico para parte da população, foi o suficiente para que 28% das mulheres brasileiras deixassem de ir à aula por não conseguirem comprar o item de higiene menstrual.
Destas, 48% dizem que tentaram esconder o real motivo pelo qual faltaram à escola e 45% acreditam que sua ausência impactou negativamente seu desempenho escolar.
Os dados estão na pesquisa “Impacto da Pobreza Menstrual no Brasil”, encomendada pela Always e realizada pela Toluna.
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O estudo mede o acesso de adolescentes e jovens a produtos essenciais de higiene no período menstrual, em especial absorventes. Foram entrevistadas 1.224 mulheres por telefone, entre 16 e 29 anos, em todas as regiões do Brasil.
“Essa questão é mais que um tabu, é um estigma. A pesquisa fala de pobreza menstrual, mas da pobreza que é ser mulher em uma sociedade que estigmatiza a natureza feminina”, diz Mirian Goldenberg, antropóloga, responsável pela análise da pesquisa e colunista da Folha.
Quanto menor a renda, maior a porcentagem de mulheres que já deixaram de comprar produtos de higiene menstrual. Entre as classes D e E, foram 33%. Na classe C, foram 27%. Ao todo, 29% das mulheres brasileiras já ficaram sem adquirir estes itens em algum momento da vida.
Foram tantas as vezes que Larissa Braga, 16, deixou de ir na escola porque estava sem dinheiro para comprar absorvente e, por isso, teve que usar papel higiênico, que não se lembra quantas.
Em outras situações, mesmo com absorvente deixou de ir à aula, pois o medo de sujar sua roupa foi uma força maior.
Quando aconteceu, ficou trancada no banheiro até que sua mãe chegasse com uma calça limpa e ela pudesse ir embora, tamanha foi a humilhação que sofreu dos seus colegas.
Papel higiênico é o produto mais usado para substituir o absorvente. Pelo menos 80% já o utilizaram alguma vez. Em seguida está o pano, com 27%. Tecidos representam 24% e toalhas de papel são 23%. No Norte, o cenário é mais crítico. Os tecidos já foram usados por 53% das mulheres e toalhas de papel, por 44% delas.
Desde os 12 anos, Larissa conta com a mãe para conversar sobre as questões relacionadas ao período menstrual. Sabia que se tratava de um processo natural, mas sua menarca não foi um momento de felicidade. “Eu chorei, eu fiquei muito triste. Eu não queria, não.”
Para a maioria das mulheres, os impactos negativos começam com a primeira menstruação: 57% delas disseram que se sentiram menos confiantes. Nesse momento, a mãe é a principal fonte de informação para 79% delas. Em seguida estão as amigas, representando 24%.
Com o passar do anos, a expectativa é que fique mais fácil lidar com o período menstrual. Mas na maioria das vezes não é assim. Independente da idade, 63% disseram que ficam pouco confiantes durante a menstruação e 23% afirmaram que ficam nada confiantes.
“Essa sensação de insegurança, desconforto, mau cheiro, isolamento, vergonha e sujeira que acontece na primeira menstruação e continua acontecendo em todas as outras, tem um impacto muito grande na vida das mulheres”, diz Goldenberg.
A palavra menstruação ainda é um tabu. Entre as entrevistadas, 26% não se sentem à vontade para falar sobre o assunto e 73% afirmam que o período menstrual tem impacto negativo na sua confiança pessoal.
Para Kamily Santiago,15, a pior parte é o constrangimento. Só se sente confortável com os pais e uma amiga. Também não foram poucas as vezes em que o sangue vazou para as suas roupas, fazendo com que ela se sentisse extremamente envergonhada.
“Eu sinto como se estivesse invadindo o espaço de alguém”, conta.
O desconforto fez com que ela deixasse de ir à escola no primeiro dia de menstruação, momento em que seu fluxo é mais intenso. Durante todo o período, não frequenta as aulas de educação física. Também não fica à vontade para dividir com os professores o real motivo de sua ausência.
A pesquisa mostra que a falta de produtos menstruais fez com que 35% das mulheres deixassem de praticar esportes na escola. Com 37%, a principal razão foi a vergonha.
Kamily passou por poucas situações em que não teve dinheiro para comprar absorvente, mas muitas em que teve que doar para suas amigas. Para ela, esse é um item que deveria ser distribuído gratuitamente, assim como preservativos.
“Muitos lugares dão camisinha de graça, mas não dão absorventes e deveriam dar. Nós não podemos escolher entre menstruar ou não”, diz.
Para Goldenberg, isso mostra a diferença no tratamento entre homens e mulheres, evidenciando que as pessoas entendem que as questões femininas devem ser escondidas, enquanto as masculinas podem ser tratadas abertamente.
“É um problema social e a sociedade não enxerga desta forma. Elas vivem isso como uma questão isolada e um problema individual e, então, temos a pobreza menstrual. Porque elas não têm dinheiro e não têm apoio.”
Homens transsexuais Mas não são apenas mulheres que menstruam: homens transsexuais e transmasculinos também. Além da falta de dinheiro para comprar itens de higiene, eles enfrentam outros problemas que os levam à pobreza menstrual.
O constrangimento, a vergonha e a dificuldade de falar com outras pessoas sobre o assunto também são comuns entre eles. Mas a principal razão que levou Luiz Fernando Prado Uchôa, 37, coordenador do Núcleo de Transmasculinidades da Rede Família Stronger, a deixar de comprar absorventes foi o preconceito.
“Quando você assume uma aparência masculina e vai comprar um absorvente, as pessoas perguntam porquê você está fazendo aquilo. Você entra na farmácia e precisa pedir ajuda, mas o atendente não está preparado para um homem que menstrua”, diz.
Isso o leva a usar panos. São camisetas velhas que vão para a cueca, porque mesmo o absorvente não se encaixa na anatomia das roupas íntimas masculinas. Caso contrário, precisa usar calcinha, o que gera a disforia de gênero, um desconforto persistente que o remete às características do gênero que ele nasceu.
“Você não se sente homem porque a sociedade diz que quem menstrua é a mulher. O absorvente, o remédio para cólica, tudo é pro público feminino”, afirma. “É importante as pessoas saberem que existe uma diversidade de corpos que tem que ser atendida.”