Um terço da cobertura vegetal nativa do Brasil está concentrada em áreas pobres, que deveriam ser consideradas prioritárias para a conservação de espécies. Esse e outros dados fazem parte de um diagnóstico sobre a biodiversidade do País, apresentado nesta quinta-feira, 8, por cientistas brasileiros. O documento reúne informações para dar subsídio à tomada de decisão de gestores nessa área.

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O Brasil é um dos países mais ricos em biodiversidade do mundo, mas enfrenta desafios. “A situação se agravou nos últimos dez anos. Os principais causadores dessa perda ainda são a mudança do uso da terra, que leva à degradação ambiental, e, mais recentemente, as mudanças climáticas”, explica Carlos Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), responsável pelo documento.

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Nesta quinta-feira, uma versão resumida do 1º Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos foi apresentada no Museu do Amanhã, no Rio. O trabalho, desenvolvido por dezenas de cientistas de diferentes áreas do conhecimento e várias partes do País, se inspira na iniciativa internacional de mapeamento do setor, o Painel Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Ecossistema, coordenado por quatro agências da Organização das Nações Unidas (ONU).

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Pobreza verde

A publicação brasileira compila informações e pesquisas sobre cobertura vegetal, culturas agrícolas, qualidade das águas, além da diversidade cultural do Brasil. Um mapa da “pobreza verde” faz parte da publicação. Com base em um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o mapeamento mostra áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade.

São 398 municípios que reúnem três características: baixa renda, alta cobertura vegetal nativa e alta vulnerabilidade às mudanças climáticas. Segundo a pesquisa, mais de um terço (36%) da cobertura vegetal nativa do Brasil se concentra em 7% dos municípios brasileiros – e essas cidades abrigam 22% da população pobre brasileira.

Espalhadas pelos biomas da Amazônia, Cerrado e Caatinga, as localidades têm um desafio pela frente: tirar suas populações da pobreza mantendo a floresta de pé. “Como as pessoas podem sair da pobreza não às custas da natureza, mas a partir dela? Não tem receita de bolo, mas mostramos opções que talvez precisem ganhar escala”, disse o professor da UFRJ Fábio Scarano, que também coordena a BPBES.

Entre os municípios prioritários, a maior parte deles está localizada na Caatinga – um dos biomas mais destruídos e que, paradoxalmente, recebe menos atenção. Fora da Amazônia, a maioria (62%) dos pontos estratégicos não tem áreas de proteção ambiental, de acordo com a pesquisa.

“Mesmo biomas que considerávamos pouco alterados, como dos Pampas e da Caatinga, isso na verdade se devia à falta de conhecimento. Eles estão passando por processos (de alteração) distintos, porque não são formações florestais como a Amazônia e a Mata Atlântica, mas que têm consequências desastrosas do ponto de vista biodiversidade”, diz Joly.

‘Pedra no sapato’

Um dos objetivos do relatório, segundo os pesquisadores, é apresentar a biodiversidade não como uma “pedra no sapato” da economia brasileira, mas como um ativo. Para isso, o estudo também reúne informações sobre oportunidades que advém da diversidade brasileira.

De acordo com a pesquisa, mais de 245 espécies da flora do País são base de produtos cosméticos e farmacêuticos e ao menos 36 espécies botânicas nativas possuem registro de fitoterápicos. A conservação da biodiversidade tem impacto, ainda, nos cultivos. Das 141 culturas agrícolas analisadas no Brasil, 85 dependem de polinização por animais, de acordo com o documento.

“É uma coisa sistêmica no Brasil: a biodiversidade, os recursos naturais de modo geral, são tratados como um problema, quando no fundo são a solução”, diz Scarano. Para os pesquisadores, a época atual, logo após as eleições, é propícia à discussão. “Estamos em um momento de renovação de governadores, de boa parte do Congresso Nacional, do governo federal. É a hora de buscar interlocutores, mostrar o trabalho que foi realizado e avançar”, avalia Joly.

Procurado na quarta-feira, 7, antes da divulgação oficial do documento, o Ministério do Meio Ambiente informou que não poderia comentar o estudo sem ter conhecimento completo dos dados.