Em meio à crise hídrica enfrentada por vários Estados brasileiros, o especialista em direito ambiental e ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Herman Benjamin, afirma que o Brasil está “muito bem na fotografia legislativa”, mas “pessimamente na fotografia da implementação” das leis. Ele afirma que a Justiça pode ajudar a controlar a crise hídrica enfrentada no País, mas dificilmente conseguirá exigir que os governos forneçam água aos consumidores, se ela não existir.

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Como o consumidor pode garantir acesso à água na Justiça? Pode haver responsabilização dos entes públicos?

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) não foi pensado – e eu sou um dos redatores da lei – para situações de crises existenciais. O CDC vai resolver casos pontuais: o hospital que está sem água, por exemplo. Mas não será fácil ao Poder Judiciário determinar à administração pública que entregue água que não existe. O Judiciário não pode atribuir efeitos a situações impossíveis. A atuação do Judiciário vai ser muito mais na perspectiva macro de fiscalização da atuação ou da omissão dos administradores públicos. É bom lembrar que a Sabesp, em São Paulo, na década de 1990, resistiu muito e brigou muito contra as ações civis públicas dos promotores ambientais que buscavam assegurar judicialmente o tratamento do esgoto in natura que era despejado nos cursos d’água paulistas. Uma absoluta falta de visão. Isso não é só São Paulo. Falta de visão ou sensibilidade para a questão hídrica é um fenômeno nacional. Se as empresas não tivessem resistido judicialmente, até o STJ, nós hoje certamente teríamos um pouco mais de água e não, como ainda continuamos, com rios que são verdadeiro esgoto a céu aberto. Aqui no STJ temos julgado várias ações.

Como o STJ entendeu isso?

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A forma de resolver o problema – se vai ser estação de tratamento e as tecnologias adotadas -, a administração decide. Agora, o que a Constituição e a lei não permitem é que esgoto in natura seja jogado nos cursos d’água.

Qual a avaliação da legislação de proteção a recursos hídricos?

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O Brasil está muito bem na fotografia legislativa. Somos um dos poucos países do mundo a ter uma legislação rigorosa, protegendo a vegetação e a ligando à água. Além disso, temos uma legislação de recursos hídricos e somos um dos poucos países a ter uma política de mudanças climáticas, que poucos conhecem.

E por que estamos enfrentando os problemas atuais?

Estamos muito bem na fotografia legislativa e péssimos na da implementação. A implementação da legislação de recursos hídricos exige dois valores que estão um pouco em falta: primeiro, coragem política; segundo, orçamento mesmo. Basta ver o orçamento dos órgãos ambientais e mesmo das agências de recursos hídricos.

Acredita que podemos dar um salto neste momento?

Não tanto na perspectiva legislativa, mas no plano da implementação. Mesmo no âmbito das leis que nós temos há ajustes que precisam ser feitos.

Quais são as tarefas do Congresso Nacional no momento?

Primeiro, aperfeiçoar a legislação existente nas falhas que apresenta ao proteger os recursos naturais. Segundo, aperfeiçoar a lei no que tange aos mecanismos de implementação. Por exemplo: prevendo formas mais rápidas de responsabilização do mau administrador público no campo dos recursos hídricos. Isso se aplica também à legislação penal, porque as sanções para poluição de águas no Brasil são risíveis, das mais baixas do mundo. Em terceiro lugar, o parlamento pode provocar a articulação horizontal e vertical da administração. Vertical com União, Estados e municípios; e horizontal, entre os vários órgãos.

O que pode ser feito na área legislativa contra desperdício?

O Congresso pode modernizar a legislação no que tange ao uso doméstico quanto ao uso agrícola e industrial. No agronegócio, podem ser feitos estudos para dizer se o consumo de determinada propriedade está proporcional à média daquela região. E, para quem consumir mais, o crédito não será tão fácil. Você cria mecanismos premiais, uma vez que a agricultura é completamente subsidiada, para aqueles produtores que se preocupam em economizar. O grosso da água consumida é agrícola.