Em sua primeira participação pública na Conferência do Clima da ONU (COP-25), em Madri (Espanha) , o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu que é preciso encontrar “os pontos de convergência para avançar nessa agenda”, referindo-se ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Ele participou na manhã desta segunda-feira, 9, de um evento promovido pela sociedade civil, com a presença de empresários e parlamentares, entre eles o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. O encontro começou com atraso, e Salles deixou o local após ter ouvido duas pessoas.

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O evento – convocado pelo Instituto Clima e Sociedade e pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, que organizaram o único espaço brasileiro nesta COP – tinha como objetivo promover um diálogo sobre ambição climática. Salles e Alcolumbre estavam previstos para falar no final, após cinco outras pessoas. Mas, por causa do atraso, a ordem foi modificada.

O ministro ouviu a jovem Karina Penna, do Engajamundo, estudante de Biologia no Maranhão, lembrar “todos os que estão sendo mortos por defender o que deveria ser prioridade, o que mantém a vida”, em referência aos três indígenas assassinados no Maranhão em pouco mais de um mês.

Na sequência, falou Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde e Alegria, uma das ONGs que foi alvo de apreensão por parte da Polícia Militar do Pará na operação que prendeu quatro brigadistas em Alter do Chão. Os quatro foram soltos dias depois.

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Scannavino pediu um minuto de silêncio para que todos dessem as mãos e pudessem refletir sobre o que chamou de “derramamento de sangue na Amazônia”. Contou que viveu “momentos de pesadelo” ao ser acusado de “uma coisa esdrúxula” e afirmou: “Não botamos fogo na floresta”. Ele lembrou que esta COP deveria ter ocorrido no Brasil, mas foi cancelada pelo governo Bolsonaro.

“Se estamos aqui para falar de ambição, queria lembrar que era para a COP ser no Brasil. Temos uma responsabilidade grande como brasileiros. O país com a maior biodiversidade do mundo só tem esse espaço aqui. Que fique uma lição para que na próxima COP, o Brasil se representar com o tamanho do país com a maior biodiversidade do planeta que nós somos.” Salles acenou com a cabeça.

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O ambientalista disse que, na sua visão, existe um debate errado, de desenvolvimento versus ambiente, de ONGs versus progresso. “O que temos de discutir não é desenvolvimento, mas o modelo de desenvolvimento. Se é para frente ou para trás; se poucos ou para muitos.” Ele lembrou que, nas últimas décadas, a Amazônia perdeu o equivalente a duas Alemanhas e que, na maioria dos casos, foi para transformar em pastagens de baixa produtividade. “Estamos desmatando para ficar mais pobres”, disse.

Em seu discurso, Salles reagiu a esse ponto e reforçou seu pleito na conferência. “Quando escuto esse relato da melhoria da eficiência das áreas que já estão abertas, que é muito o que se trabalha… é uma visão absolutamente correta. É um dos fatores que desencoraja o aumento de expansão de novas áreas”, comentou.

Mercado de carbono

Assim como ocorreu em outras entrevistas, Salles reforçou que veio à COP pedir recursos de países ricos para poder combater o desmatamento. “Algo que está diretamente ligado à nossa presença aqui na COP é a monetização dos recursos ambientais no sentido de prover realmente recursos para o pagamento por serviços ambientais. Os serviços ecossistêmicos, que são muitos e são importantes, precisam ser remunerados para serem valorizados. A nossa vinda à COP neste ano, em especial, tem tudo a ver com isso.”

Ele se referiu a um dos itens que estão sendo discutidos na conferência que é o artigo 6 do Acordo de Paris, fechado em 2015 para combater as mudanças climáticas. O artigo trata sobre a existência de mercados de carbono e ainda precisa ser regulamentado – o que se espera que ocorra até o final da COP.

A ideia, diz Salles, é “finalmente conseguir encontrar uma fórmula para que aqueles que foram os maiores emissores de gases estufa na história recente da humanidade que se responsabilizem efetivamente por aquilo que produziram com as emissões de gases, das florestas que suprimiram quase que na sua integralidade, das ações que tomaram e continuam tomando – porque os combustíveis fósseis continuam sendo a maior parte das emissões”.

O artigo 6, porém, não traz exatamente esse tipo de possibilidade. Apesar de as normas ainda estarem em discussão, a ideia é que ele estabeleça formas de negócio entre países. Quem conseguir reduzir mais emissões do que as devidas poderia vender esse excedente para quem não está conseguindo cumprir suas próprias metas.

Salles também voltou a falar de uma agenda da bioeconomia efetiva. “A ideia da floresta valer mais em pé é absolutamente correta, mas precisa se reverter em recursos para os mais 20 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia.”

Sem isso, diz, as atividades ilegais se tornam atrativas. “Nós deixamos para trás as pessoas, e sem cuidar das pessoas é difícil cuidar do meio ambiente. Há que se trabalhar para elevar o padrão de vida das pessoas, numa atividade produtiva que seja compatível com a preservação, com a permanência dos recursos naturais, na extensão do que é o território amazônico e com a necessidade que as pessoas têm. É preciso olhar a vida daquelas pessoas. E reconhecer os reais gargalos que têm impedido que a agenda avance”, complementou.

Após a saída de Salles, a deputada Joenia Wapichana falou que o Brasil hoje vive retrocessos diários na legislação ambiental e que “há um medo muito grande dos povos indígenas e da sociedade civil”.

* A repórter viajou a Madri a convite do Instituto Clima e Sociedade (iCS)