Gamão Souza Dias, de 32 anos, convive com alagamentos na porta de casa desde que se “entende por gente”. Em 2013, chegou a ter cerca de 90% da casa levada pelas águas do Córrego Pirajuçara durante uma enchente “catastrófica” que arrasou o Jardim Maria Sampaio, comunidade na divisa do distrito do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, com o município de Taboão da Serra, na região metropolitana. “O cheiro de lama durou dias”, relembra.

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Quase dois anos depois, em 2015, as consequências das fortes chuvas ainda eram evidentes na comunidade. Ciente disso, Gamão resolveu se mobilizar para “retomar a autoestima” do Jardim Maria Sampaio. Grafiteiro desde os 14 anos, ele entrou em contato com outros amigos e, à frente da RaxaKuka Produções, organizou a primeira edição do Graffitti Contra Enchente, evento anual que chegou à terceira edição com atividades de sexta-feira até ontem. “Foi a Virada do Grafite”, brinca o organizador em referência à Virada Cultural, que ocorreu no mesmo fim de semana. “A comunidade abraçou o evento. Entendeu que ele não é para mim, nem para os grafiteiros, mas para todos.”

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Segundo o organizador, as atividades conquistaram mais muros, portões e portas de galpões no decorrer dos anos, alcançando quase uma centena de pontos. “A gente faz um mapeamento dos lugares que vão participar, mas sempre acontece de alguém ver e pedir para ter seu muro pintado também”, diz. O apego dos moradores aos grafites é tão grande que alguns chegam a hesitar que outro artista faça um novo desenho por cima do antigo – renovação comum, inclusive, no Beco do Batman.

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Por meio de uma convocatória, o evento atraiu mais de 120 artistas, até mesmo de outros Estados e de fora do País. “O Graffitti é livre, cada um tem um estilo, então tem quem faça paisagem, letra, fotos. Isso acaba criando uma diversidade de ideias”, comenta Gamão. A programação reuniu, ainda, uma exposição de carros antigos e apresentações musicais de estilos variados, do hip hop ao samba. “Os moradores reconhecem o Graffitti como patrimônio, semanas antes já falavam que não viam a hora de o evento chegar.”

Entre os participantes, muitos são amigos de Gamão ou amigos de amigos. “O grafiteiro é meio andarilho, cria vínculos por tudo que é lugar e se une em rede. O evento traz pessoas para cá, e isso é muito importante”, diz ele, que ajudou a acolher artistas de fora de São Paulo nas vésperas das atividades.

Energia

Um dos artistas que viajou especialmente para o Graffitti Contra Enchente é o carioca Pablo Carvalho, o Blopa, de 26 anos, que participou pelo segundo ano. Para ele, o que chamou mais atenção foi a receptividade e a valorização dos moradores. “Somos muito bem recebidos. Muitos olham a gente grafitando, fazem perguntas, tiram fotos. A energia é muito boa, e isso influencia.”

A grafiteira Rebeca Lawinsky, de 35 anos, participou do evento em São Paulo pela primeira vez, mas já grafitou comunidades de Salvador, como o Mutirão Mete Mão, que, na última edição, ocorreu em cinco localidades distintas. “É um projeto muito bonito. Além de revitalizar a área, trazer cor, também é um trabalho estético. Mexe mais com a comunidade do que com a gente. Afinal, não é o grafiteiro que convive com o desenho: é o morador que vai acordar todo dia e vê-lo quando sair de casa.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.