“Minha transição capilar durou três anos. Eu comecei a fazer relaxamento e depois progressiva para ficar mais liso e durar mais tempo. Eu me olhava no espelho e não me identificava, não me reconhecia como pessoa. Era como se eu não tivesse uma personalidade. Eu me baseava naquilo que eu queria ser, o que via todo dia na televisão. Por conta dos meus traços, obviamente não me identificava e isso me frustrava muito. Eu ficava o tempo todo tentando me reafirmar por meio do alisamento”.
A história da estudante Julia Reis, narrada acima, está espalhada por todo o Brasil. São milhares de meninas e mulheres que, por falta de representatividade, se veem obrigadas a substituir seus cachos naturais por cabelos com química, tornando-se reféns de procedimentos de beleza.
“Empoderamento é um conceito que estabelece um conjunto de práticas que visam a emancipação sociopolítica de indivíduos inseridos em grupos expostos a opressão sistêmica, quais seja, mulheres, negritude, indígenas, LGBTs”. A definição é apresentada pela escritora feminista Joice Berth, autora do livro O Que é Empoderamento?, da coleção Feminismos Plurais organizada por Djamila Ribeiro.
Com o objetivo de garantir liberdade para si mesmas, mulheres negras têm se desvencilhado da obrigação de alisar os cabelos e aderido à transição capilar, processo em que a pessoa abandona qualquer tipo de química para dar lugar ao cabelo natural. “Eu fiz progressiva de seis em seis meses por uns quatro anos. Eu comecei a perceber que estava escrava daquilo, não usava mais como vaidade. (A transição capilar) veio como uma forma de empoderamento pela libertação. Eu sinto que eu tenho uma escolha sobre o meu cabelo, não o meu cabelo que faz eu escolher as coisas”, relata Ana Carolina Huertas, estudante de 21 anos.
Tanto Carol quanto Julia revelam que influenciadores digitais têm um papel importante nessa desconstrução por meio da beleza. Julia, por exemplo, cita a youtuber Rayza Nicácio como objeto de impulso para realizar a transição: “Eu via quão bonita ela era e pensava que eu podia ser bonita de cabelo cacheado também”. Hoje em dia, a jovem não usa mais química e abandonou os modeladores, como chapinha e babyliss. “Eu vejo como uma forma de empoderamento, porque só depois que assumi meu cabelo para mim mesma que comecei a me reconhecer como mulher negra”, comemora.
Já Carol, diz que se cerca de mulheres empoderadas e que quebram padrões estéticos, mesmo que virtualmente. “Eu cresci em um meio privilegiado. Era uma das poucas negras nos ambientes que frequentava e acabava me diminuindo, porque não via referências. Ter ao meu redor pessoas que passam pelos mesmos problemas que eu é uma forma de empoderamento, de sentir que não estou sozinha”, explica.
Maquiagem
Além do cabelo, a maquiagem também desempenha um importante papel no empoderamento de mulheres negras. Em setembro de 2017, a cantora Rihanna revolucionou o mercado de beleza ao lançar sua própria marca de maquiagem, a Fenty Beauty, que apresentava 40 tons de base. O feito inédito intimidou das marcas mais populares às de grife, que viram a concorrência aumentar com o foco voltado à diversidade promovida pela Fenty.
Mais uma vez, a intervenção de influenciadoras negras promove esse avanço em maquiagens. “O crescimento de blogueiras negras é essencial nesse fator, para mostrar que a gente também existe e também precisa de maquiagem. É um mercado que não existiria se não fosse a internet”, completa Carol.
Mídia
A representatividade de mulheres negras na mídia é algo que caminha lentamente. Julia e Carol reconhecem que houve um avanço no setor, mas destacam como a sociedade ainda precisa se desconstruir para atingir um patamar ideal. “Eu não sentia falta, porque não sabia que me faltava. Hoje vejo que (representatividade) é algo essencial”, diz Julia.
Outro ponto importante ressaltado por Carol são as marcas que levantam a bandeira da diversidade, mas não levam isso, de fato, às suas campanhas e negócios. “Você precisa trazer (negros) não só para cumprir uma cota. Quando você mostra só um tipo de mulher negra, você acaba colocando as outras mulheres negras em uma situação ruim. É uma questão de enxergar o negro com várias facetas”, reforça.
* Estagiária sob supervisão de Charlise Morais