São Paulo – Clandestinos, ilegais, eles nunca reclamam. Mão-de-obra barata e silenciosa, trabalham das 7h à meia-noite, de segunda a sábado, dormem com os filhos nas próprias oficinas, comem mal e não têm direito algum, além de R$ 0,30 a R$ 0,50 para cada roupa que costuram. Seus patrões são pouco menos pobres que eles e têm a mesma origem: a miserável Bolívia. Para eles, São Paulo é o Eldorado, como no velho imaginário da América Meridional.
Foco de crítica do New York Times ao governo Lula, publicada no início de dezembro, a situação dos bolivianos em São Paulo está prestes a mudar. O Ministério Público do Trabalho (MPT) articula com o governo a legalização em massa dos imigrantes. A efetivação da medida deve se dar em 2005, segundo o MPT. Ao contrário do que o jornal disse, não são 50 mil bolivianos em São Paulo. Eles chegam a 200 mil, segundo o Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos de Direitos Humanos no Brasil ? 2004.
Concentradas em bairros como Bom Retiro, Brás e Pari (centro da cidade), os bolivianos trabalham irregularmente nas cerca de 8 mil confecções dessas áreas, numa escala que passa pelos coreanos e termina nas grandes lojas de confecções, que compram essa produção barata. Até campanhas para que as grandes redes não comprem a produção já foram feitas. A fiscalização não dá conta de reprimir o esquema, pois não se trata de um problema trabalhista e sim de imigração, segundo o Ministério Público.
Seria preciso deportar todos os bolivianos para cumprir a lei. Eles não são submetidos a trabalhos forçados, como ainda acontece com cerca de 25 mil trabalhadores brasileiros em fazendas, mas a situações "degradantes", frisa o coordenador nacional de Combate ao Trabalho Escravo pelo Ministério Público Estadual, Luís Antonio Camargo. "Discordo da crítica. E além disso, o problema dos bolivianos está sendo atacado. Trata-se de um problema de imigração clandestina que estamos resolvendo."
Responsável pela ação do Ministério Público Estadual com relação aos bolivianos em São Paulo, a procuradora Cristina Aparecida Ribeiro Brasiliano disse que espera que o acordo entre os governos do Brasil e da Bolívia, para a regularização dos imigrantes, seja fechado já em 2005. "Estamos mudando o foco do problema para o social. O ideal é garantir a cidadania deles. Daí sim poderemos fazer com que seus direitos sejam cumpridos. Temos uma legislação ainda arcaica, mas a visão política no Brasil é mais aberta", diz a procuradora.
Organização
Um dos marcos da organização foi a criação da Associação Bolbra (Bolívia-Brasil), visando a auxiliar os explorados, que mantém contato permanente com o Ministério Público do Trabalho paulista há cerca de dois anos. Além de estarem mais organizados, os bolivianos também estão preocupados com a preservação de sua cultura. "Hoje eles promovem festas típicas de seu país em São Paulo, querem mostrar seus valores culturais", diz o antropólogo Sidney Silva.
O principal ponto de encontro é a Praça Kantuta, que hoje dá nome a um antigo ponto de aliciamento de trabalho escravo na capital, no bairro do Pari. Kantuta é o nome da flor que enfeita os altiplanos bolivianos. A praça virou referência cultural da comunidade. "Hoje não há mais a escravização de antigamente. O que acontece é a precariedade normal de quem vive clandestino, seja aqui ou nos Estados Unidos", afirma Carlos Danilo Soto Gomez Garcia, boliviano que fundou a Associação Gastronômica Cultural Folclórica Boliviana Padre Bento.
Agenciadores fazem ponte
São Paulo – Os bolivianos chegam ao Brasil por meio dos agenciadores, conhecidos lá como coiotes ou gatos, pelas fronteiras secas, como Corumbá. Entram como turistas e geralmente pagam pelas viagens com seus primeiros trabalhos em São Paulo. "Mas não há qualquer caso conhecido de trabalho escravo, de confinamento, ou servidão por dívida ou trabalho forçado", afirma Camargo.
Pesquisador do Centro de Estudos Migratórios, o antropólogo Sidney Antonio da Silva especializou-se pela USP na situação dos bolivianos. Ele explica que o "boom" migratório deu-se em 1990, mas ainda hoje São Paulo é entendida como a Eldorado pelos bolivianos.
Nos últimos dez anos, o perfil desses clandestinos mudou muito. Eles vinham solteiros e mandavam dinheiro para as famílias. Trabalhavam para os coreanos, detentores dos meios de produção. Hoje trazem as famílias e sua dinâmica é a de acumular capital para montar suas próprias oficinas, trazendo outros bolivianos. "O problema é que a condição de clandestinos impede que eles tenham direitos. Há uma minoria que vive em péssimas condições, de quase escravos", afirma o pesquisador.
