O Ministério Público do Rio denunciou à Justiça quatro policiais civis e dois PMs acusados de envolvimento numa operação na Favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, zona norte do Rio, que resultou na morte de 13 pessoas, em 1994. Os agentes foram denunciados por 13 homicídios duplamente qualificados (por motivo torpe e por impossibilitarem a defesa das vítimas). Se condenados, podem pegar até 390 anos de prisão.
O caso, que ficou conhecido como “Chacina da Nova Brasília”, teve repercussão internacional, mas estava arquivado desde 2009. Em janeiro de 2012, a partir de denúncias de três ONGs de defesa dos direitos humanos, o inquérito passou a ser monitorado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CDIH), que fez três recomendações ao Estado brasileiro: que as investigações fossem concluídas com a responsabilização criminal dos envolvidos; que os familiares das vítimas fossem indenizados pelo Estado; e que procedimentos das instituições policiais fossem aprimorados. O inquérito, então, foi desarquivado em março deste ano por determinação da Procuradoria-Geral de Justiça, e a denúncia foi ajuizada na semana passada.
De acordo com o MP-RJ, na madrugada de 18 de outubro de 1994, os seis policiais realizaram uma incursão na Nova Brasília com o intuito de cumprir mandados de prisão e reprimir o tráfico de drogas na favela. Testemunhas contaram que pelo menos uma das vítimas (Andre Luiz Neri da Silva, conhecido como Paizinho, que seria traficante) foi presa em casa e algemada. Após ser retirado do local, ele apareceu morto. Também há relatos de agressões físicas e de abusos sexuais contra testemunhas. Por fim, laudos de exames cadavéricos comprovaram que as vítimas não teriam resistido a tiros à ação policial e por isso acabaram mortas, isto é, elas foram executadas.
“Se a ação policial a priori tinha uma intenção legítima, que seria reprimir o tráfico de entorpecentes, as atitudes dos policiais mostraram que a operação foi desvirtuada. Se alguém sai algemado, é para ser preso, e não morto. Naquela época, era comum ouvir que `bandido bom é bandido morto’. Hoje, após quase 20 anos de aprendizado, a sociedade entende que bandido bom é bandido preso”, afirmou o promotor Marcelo Muniz, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP-RJ.
A investigação do caso passou por várias delegacias da Polícia Civil, até que em 2009 a Corregedoria da instituição opinou pelo arquivamento. O promotor responsável concordou, e o inquérito foi arquivado pelo juízo da 31ª Vara Criminal.
“Após a CDIH cobrar providências do Estado brasileiro sobre a responsabilização dos envolvidos no episódio, descobrimos que o inquérito havia sido arquivado por um juiz de vara criminal comum, apesar da comprovação dos 13 homicídios. Isso só poderia ter sido feito por um juiz de vara do tribunal do júri e foi mais uma razão para o desarquivamento da investigação”, explicou o procurador Antonio Carlos Biscaia, assessor criminal do MP-RJ.
A Brasil deverá apresentar suas alegações finais à CDIH em 19 de junho. Depois, a comissão terá um mês para julgar se o País atendeu ou não às recomendações. Caso não, o Brasil vai responder por violações de direitos humanos na Corte Interamericana de Direitos Humanos. “Será a 6ª vez que o Brasil será réu na corte, mas este é o primeiro caso envolvendo violência policial explícita”, ressaltou Biscaia.
Os crimes de lesão corporal e atentado violento ao pudor que também teriam sido praticados pelos policiais já prescreveram. Já os homicídios prescreveriam em outubro do ano que vem.
Outra chacina
O inquérito de outra chacina, na qual outras 13 pessoas teriam sido assassinadas por policiais na Favela Nova Brasília, em 8 de maio de 1995, também foi desarquivado após cobranças de providências da CDIH. Este caso está sendo investigado pelo Gaeco, e os envolvidos ainda não foram denunciados à Justiça.