Movimentos sociais têm semana de protestos

São Paulo – Aliados históricos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os movimentos sociais abrem hoje uma semana de protestos nas principais cidades do País. Neste domingo, quando desmontarem os palanques do Grito dos Excluídos – movimento que espera reunir 2,5 milhões de pessoas em todo o País – MST, MTST, CUT, UNE e mais 79 entidades vão dar início a uma série de manifestações que acontecerão até o próximo sábado. As entidades querem o cumprimento do programa de governo do presidente Lula. Cobram a geração de empregos, a distribuição de renda e a reforma agrária.

“Este governo é um governo de disputa e, se não formos às ruas, as mudanças não virão sozinhas”, afirma o secretário nacional de Comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Antônio Carlos Spis.

Articuladas pela Coordenação dos Movimentos Sociais, as entidades preparam marchas e atos públicos para o próximo sábado, quando a Organização Mundial do Comércio (OMC) se reúne em Cancún. Ao longo da semana, cada movimento terá sua própria agenda. O MST, por exemplo, fará panfletagens e marchas pela reforma agrária.

“Não se trata de marcar uma oposição direta ao governo Lula, mas sim de conscientizar a sociedade sobre a necessidade de trabalho” – diz Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST. Para o presidente nacional da União Nacional dos Estudantes (UNE), Gustavo Petta, que também integra a Coordenação dos Movimentos, a idéia é provocar tensão para que as mudanças aconteçam.

“Só vão ocorrer mudanças sociais se fizerem mudanças na política econômica. Por isso vamos fazer pressão”, afirma Petta.

Começa hoje com o “Grito”

O presidente nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), dom Tomás Balduíno, diz que os protestos começam hoje, com o Grito dos Excluídos, como um alerta contra a instalação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), e continuarão durante toda a semana como forma de pressão dos movimentos sociais sobre o governo Lula.

– Não se admitirá que o espaço no governo fique reservado ao capital – afirma dom Tomás.

O maior ato do Grito dos Excluídos deverá reunir na Basílica de Aparecida, no Vale do Paraíba, interior de São Paulo, mais de cem mil pessoas, segundo os organizadores do evento.

Para a CUT, berço de Lula, a hora de mudar o rumo já chegou. Segundo o secretário nacional de comunicação da central, Antônio Carlos Spis, o governo já fez sua lição de casa:

– Já controlou a inflação, ganhou credibilidade internacional, fez as reformas. Agora queremos a ampliação do trabalho formal, por exemplo.

Para o presidente nacional da UNE, Gustavo Petta, os movimentos partem para uma fase mais madura, graças à sua independência e autonomia em relação ao PT e ao governo Lula.

-Vamos construir uma unidade política e dar bases e sustentabilidade para as mudanças necessárias- afirma o presidente da UNE. (AG)

Alca não é entendida por manifestantes

O grito mais proferido ontem durante a marcha do Grito dos Excluídos, nos 700 metros do calçadão da Rua 15 de Novembro, em Curitiba, não foi bem entendido por algumas das cerca de 500 pessoas, representando várias organizações sociais, que participaram da manifestação. “Soberania sim, Alca não”, puxavam os organizadores. “Ainda tô querendo aprender o que vem a ser a Alca”, reconheceu o desempregado Miguel Palcha, de 66 anos, morador em Curitiba.

A aposentada Vergínia de Souza, de 62 anos, de Almirante Tamandaré, na região metropolitana, “aprendeu” com os cartazes que mostravam uma seringa e convidavam a população a assinar um manifesto pedindo plebiscito sobre a Alca, com o apelo: Vacine-se contra a Alca. “É uma vacina contra a intranqüilidade da pessoa”, opinou. “Eu acho que a Alca pode resolver.” O funcionário público Ezequiel Bibiano, de 44 anos, é mais claro. “É um acordo que vai nos prejudicar, porque não temos força política para disputar com os Estados Unidos”, disse. “Sem disputar nossos espaços, nós seremos mais excluídos.” Com casa própria e emprego, ele se considera politicamente excluído. “É proibitiva a participação política”, reclamou.

Exclusão

A aposentada Vergínia carrega na fisionomia o desgaste de 30 anos de trabalho como atendente de enfermagem, mas mostra disposição para carregar durante a caminhada um cartaz em que reclama dos políticos que só dão comida em época de eleição. Para ela, a exclusão veio na hora da aposentadoria, sendo obrigada a sobreviver com apenas R$ 270,00 por mês. “Nós não somos valorizados”, afirma.

Além disso, tenta há dez anos conseguir um financiamento no Banco Social para montar uma loja e vender seus arranjos de flores e artesanatos. “Os juros são altos e precisa avalista com grandes posses”, lamenta. “A pessoa pobre não tem direito de entrar nem em parque e precisa ficar vendo o carrossel do lado de fora.”

Desemprego

O desempregado Palcha diz que pode trabalhar como pedreiro ou em açougue, mas há 12 anos procura um emprego fixo e não consegue. “Compro móveis usados para reformar e rádios velhos para consertar, depois vendo ou troco e vou vivendo”, disse. Com a aposentadoria da mulher, que sofreu derrame, e seus negócios, consegue cerca de R$ 400,00 por mês.

O Grito dos Excluídos acontece desde 1995, e a idéia surgiu um ano antes, durante a 2.ª Semana Social Brasileira, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A proposta recebeu a adesão da Pastoral Social das arquidioceses, além de entidades e movimentos sociais.

“Estamos longe de ter nossa autonomia e de dar dignidade à pessoa humana, pois são mais de 50 milhões de pobres e até miseráveis”, lamentou o arcebispo de Curitiba, dom Pedro Fedalto.

Nem todos os curitibanos aprovaram a passeata, que congestionou o calçadão, um dos locais habitualmente mais movimentados de Curitiba. A paralisação do trânsito, por cerca de 5 minutos, na confluência da Rua 15 com a Marechal Floriano, irritou motoristas, que não tiraram os dedos das buzinas. Uma senhora, que não quis se identificar nem dar entrevista, desceu do carro, voltou as costas para os manifestantes e baixou as calças. A polícia apenas acompanhou, sem qualquer interferência. (Evandro Fadel – AE)

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