Todos os dias uma média de 107 pessoas perdem a vida no Brasil vítimas de arma de fogo. Deste 1979 até 2003 foram 550 mil casos, sendo 502 mil por homicídios. Os números mostram que o País vive uma situação alarmante, são maiores do que os registrados em países que vivem em conflito armado. As informações foram divulgadas ontem, com o lançamento do livro Mortes matadas por armas de fogo no Brasil 1979 – 2003, no Senado Federal, em Brasília, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Com o lançamento do livro, a Unesco e o Senado Federal pretendem fortalecer o movimento já iniciado com a Campanha do Desarmamento, de forma a contribuir com a promoção de uma cultura de paz no Brasil. A idéia é sensibilizar o Congresso e a população para a aprovação do referendo nacional sobre o fim da livre negociação de armas no País.
O coordenador da pesquisa, sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, afirma que a violência no Brasil alcançou níveis insustentáveis. Ele comparou o número de mortes diárias com a chacina no presídio do Carandiru, em São Paulo, quando 111 presos perderam a vida. ?Houve comoção internacional, mas todos os dias outros carandirus acontecem?, compara. A pesquisa mostra ainda que o País ocupa o vergonhoso segundo lugar, entre 57 países estudados, em número de mortes por arma de fogo na população em geral e, em terceiro, quando se refere aos jovens. Além disto, o Brasil também superou os dados apresentados em conflitos armados como Israel e Palestina ou a Guerra do Golfo.
Maiores vítimas
O livro revela que os jovens são as maiores vítimas. Das 550 mil mortes, 205.722, ou seja, 44,1%, foram de pessoas na faixa de 15 a 24 anos. Se considerarmos que os jovens representam 20% da população total, proporcionalmente, eles morrem duas vezes mais do que pessoas de outras faixas etárias. Em 2003, os 16.345 jovens que morreram por balas de armas de fogo representaram 41,6% do total de vítimas desse ano.
O estudo também revela a escalada da violência. Enquanto a população brasileira cresceu 51,8%, o número de vítimas por arma de fogo cresceu 461%, sendo que os homicídios subiram 542,7%. Mas entre os jovens a violência foi superior. As mortes por armas de fogo cresceram 640,3%, enquanto os homicídios chegaram a 742,9%. Jacobo explica que esta escalada tem a ver com a economia, que concentra renda, e a falência de instituições como a política e a família. A pesquisa comparou ainda as mortes por armas de fogo com as causadas por outros agentes. Na população em geral, a principal causa de óbito são as doenças do coração, depois as cerebrovasculares, e em terceiro lugar, as provocadas por armas. Na população jovem o número se inverte. Em primeiro lugar estão as causadas por armamento e em segundo as motivadas por acidentes de trânsito. Jacobo é a favor do desarmamento e explica que as pesquisas em outros países mostraram que para acabar com o problema é preciso diminuir o número de armas circulando. Ele também acha importante a restrição da venda de armas a determinados grupos, como a polícia.
Calheiros pede referendo
Brasília – O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL), fez ontem um apelo à Câmara dos Deputados para que vote ainda nesta semana o projeto de decreto legislativo que marca para outubro a realização do referendo sobre a proibição de comercialização de armas de fogo e munição no País. Renan disse que a resistência de 20 ou 30 deputados sobre a questão é um equívoco, pois é preciso entender que as mortes por armas de fogo no Brasil hoje são ?dramáticas? e representam mais de 10% das mortes por armas de fogo que acontecem no planeta. O pedido à Câmara foi feito durante solenidade conjunta entre a Unesco e o Senado.
A campanha pelo desarmamento, segundo Renan, ?tem apresentado resultados fantásticos para o País?. Até agora, informou, foram retiradas 364 mil armas de circulação nessa campanha. Na Austrália, em campanha semelhante, comparou, foram recolhidas 60 mil armas. O presidente do Senado afirmou que está crescendo a consciência dos brasileiros sobre esse assunto e que o mercado inescrupuloso da venda de armas de fogo não pode continuar. ?Não dá mais para conviver com isso?, declarou.
Segundo Renan, o presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, comprometeu-se a limpar a pauta para aprovar o projeto de decreto legislativo. Renan observou que, apesar de a semana ser cheia e de o País estar vivendo uma crise política, os assuntos relacionados às denúncias de corrupção não podem desviar a atenção da sociedade para uma questão tão importante quanto o desarmamento.
Na cerimônia, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) também fez um apelo à Câmara para que aprove nesta semana o referendo: ?364 mil armas foram devolvidas na campanha pelo desarmamento. Isso mostra que o País está atento a essa questão. Faço um apelo à Câmara para que aprove ainda esta semana o plebiscito, para que este se realize este ano, em outubro?, disse Mercadante.
