O jornalista Oliveiros S. Ferreira morreu nesta sexta-feira, 20, de causas naturais em Campinas, aos 88 anos. Foram 47 anos de jornal, sempre no Estado, seu primeiro e único emprego numa carreira brilhante, de repórter a diretor, que aliou à vida acadêmica, como professor da Universidade de São Paulo (USP). “Na verdade foram 48 anos de casa, pois comecei em 1951, quando estreei como correspondente no interior””, corrigia Oliveiros S. Ferreira, revendo sua história ao se aposentar, em julho de 1999. Era paulista de São José do Rio Pardo, onde nasceu em 5 de maio de 1929, filho de Reynaldo Ferreira e Júlia da Silva Ferreira.
“Oliveiros atuou nos cargos mais importantes da redação de O Estado de S. Paulo não só pela sua competência mas também pela confiança que a família sempre teve nele. Um homem digno, comprometido com os melhores interesses do País”, disse diretor presidente do Grupo Estado, Francisco Mesquita Neto.
Oliveiros acabava de prestar concurso para o magistério na rede estadual e começava a ensinar Sociologia na Escola Normal de Marília, quando descobriu a vocação de jornalista. Em 1952, voltou a São Paulo a convite do professor Lourival Gomes Machado para ser seu assistente na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, onde se formara em Ciências Sociais. No ano letivo 1959-1960, ganhou bolsa de estudos na Fondation Nationale des Sciences Politiques, em Paris.
Defendeu em 1966 sua tese de doutorado sobre o peruano Haya de la Torre, intitulada Nossa América, Indoamérica – a Ordem e a Revolução no pensamento de Haya de la Torre. Cinco anos depois, fez a livre docência com uma tese sobre Gramsci: Os 45 cavaleiros húngaros, na USP.
Seus estudos na área de Ciências Sociais, renderam 11 livros dedicados a problemas brasileiros e a questões internacionais. No Estado, ele aprofundou em artigos a análise de temas de sua especialidade, como a Guerra Fria, a União Soviética e as ditaduras na América Latina.
Paralelamente a seu trabalho na USP, onde foi professor até se aposentar em 1983, Oliveiros foi consultor e conferencista da Escola Superior de Guerra e da Escola de Guerra Naval. Depois de aposentado, continuou a dar cursos de pós-graduação na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
Em 1997, foi contratado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e, dez anos depois, mudou-se para Campinas, a convite da PUC-Campinas, para trabalhar na área de Ciências Políticas. Alugou uma casa espaçosa ao lado da residência para ali montar escritório e biblioteca.
Ao deixar o sexto andar do prédio do Estado, em julho de 1999, Oliveiros pregou um fac-símile com uma citação de Rui Barbosa na estante de seu escritório, no apartamento da Rua Jerusalém, no bairro do Ibirapuera. “Que posso eu deixar de mim, senão uma página em branco?”, era a frase que se lia no fac-símile. Impossível imaginar que o autor de tantas reportagens, artigos, editoriais e livros experimentasse alguma sensação de vazio para fazer sua essa reflexão. Aposentado, trabalhava em mais um livro e acabou publicando dois.
Oliveiros viveu tempos difíceis no jornalismo, durante o período do regime militar, quando o Estado enfrentou a censura prévia com policiais de plantão em suas instalações, primeiro na redação e depois na oficina gráfica. Como redator-chefe, cargo que exercia na época, antes de ser elevado a diretor, era o interlocutor entre os Mesquita (Julio de Mesquita Neto no Estado e Ruy Mesquita no Jornal da Tarde) e os executores da repressão.
Homem de confiança do jornal, era um jornalista suspeito para a ditadura. Os agentes do Cenimar (Centro de Informações da Marinha) achavam que Oliveiros era trotskista e, para o Exército, era um comunista. A militância política do passado até que poderia ser uma explicação. Oliveiros foi simpatizante da Vanguarda Socialista e depois se filiou à Esquerda Democrática, mais tarde Partido Socialista Brasileiro (PSB).
Não enfrentou nenhum problema no Estado por causa de suas convicções. Ganhou de seus camaradas o apelido de “o amante de Rosa de Luxemburgo”, por causa da admiração pela revolucionária alemã. Admirava ainda Émile Durkheim, Augusto Comte e Karl Marx, autores e teóricos que, como admitia, fizeram sua cabeça.
Era Oliveiros que, na vigência da censura prévia imposta pelo Ato Institucional n.º 5, recebia e transmitia as listas de assuntos censurados. A orientação de Julio Neto e Ruy Mesquita era que se fizessem as reportagens normalmente, deixando aos censores a iniciativa de cortar o que bem entendessem.
Quando Julio de Mesquita Neto morreu, em junho de 1996, Oliveiros ocupou o cargo de diretor-responsável do Estado, por pouco mais de dois meses, antes de Ruy Mesquita, até então diretor do Jornal da Tarde, assumir a cargo. Continuou coordenando a equipe de editorialistas, função que vinha exercendo desde 1977.
Era um chefe companheiro, capaz de ouvir e acatar a opinião dos subordinados, mesmo discordando dela. Se escrevia a nota 1, o editorial mais importante da página 3, interpretava com lealdade a posição do jornal, encampando conceitos aos quais eventualmente fazia restrições. O jornalista deixou a viúva Wania Leal Cintra, o filho Afonso Ferreira e muitos amigos entre aqueles que trabalharam com ele. “Pode ser que eu tenha feito algum inimigo, mas ninguém se manifestou”, gostava de brincar, orgulhoso das boas lembranças e do respeito que mereceu de sua equipe.