Ministério faz triangulação para não licitar software para hospitais

O Ministério da Saúde fez uma triangulação por meio de instituições filantrópicas de São Paulo e Rio Grande do Sul para comprar, sem licitação, um sistema de informatização para seis hospitais federais no Rio de Janeiro. Há dois anos, uma tentativa direta de compra do mesmo tipo de software foi abortada pelo TCU (Tribunal de Contas da União).

Com um custo de R$ 34 milhões, o novo software permite o registro detalhado de informações de pacientes e facilita o gerenciamento de unidades. A implantação do sistema não foi concluída.

O Ministério Público do Rio de Janeiro recomendou em julho que o governo interrompa a instalação do software por suspeita de que o procedimento burla a legislação. O Ministério da Saúde não vai seguir a recomendação.

No início de 2010, o TCU determinou ao Ministério da Saúde que cancelasse a licitação para a compra de software para os seis hospitais. Naquela época, o custo seria de R$ 52 milhões, e o Tribunal encontrou indícios de direcionamento da licitação.

O que se sabe agora é que em setembro daquele mesmo ano houve uma aquisição de um software da multinacional Totvs com a mesma finalidade da licitação vetada pelo TCU. A compra foi feita por hospitais filantrópicos, por determinação do Ministério da Saúde, dentro do Proadi-SUS. Como os hospitais não são públicos, não houve licitação nem avaliação do TCU.

O Proadi é um programa que existe desde 2009 e isenta de alguns tributos federais, como PIS-Cofins, seis hospitais filantrópicos considerados de excelência: Albert Einstein, H-Cor, Samaritano, Sírio-Libanês e Owaldo Cruz, de São Paulo, e Moinhos de Vento, de Porto Alegre.

Por conta da isenção, esses seis hospitais já deixaram de recolher cerca de R$ 835 milhões em tributos. A contrapartida exigida pelo Proadi é que as instituições usem os recursos economizados para avaliação e incorporação de tecnologia, capacitação de pessoas, pesquisa em saúde e aperfeiçoamento de gestão. Na maioria dos casos, os projetos são sugeridos pelos hospitais e atendem a demandas específicas das instituições.

A Folha de S.Paulo analisou os 120 projetos bancados pelo Proadi verificou que compra dos softwares para os hospitais do RJ tem características distintas: é a única de sistemas de informática, envolveu dinheiro dos todos os seis filantrópicos e os beneficiados são de outro Estado.

Os filantrópicos já pagaram R$ 18 milhões pelo software e irão desembolsar mais R$ 16,5 milhões para que a Gens, empresa do mesmo grupo Totvs, faça a implantação do sistema.

Dois anos depois de ter sido assinado pelo então ministro da Saúde, José Gomes Temporão – que é do Rio -, o contrato de informatização foi implantado em apenas dois hospitais com problemas. Nos outros quatro, a previsão é concluir a instalação este ano. O software da Totvs substitui o sistema antigo, o Hospub, que é gratuito, foi produzido pelo Datasus e segue sendo implantado em unidades de saúde.

Outro lado

O Ministério da Saúde informou que entende a compra dos hospitais filantrópicos como “transferência de tecnologia” e que “não se trata de licitação pública”.

“Quem adquire o sistema são os hospitais de excelência, diante de um escopo de requisitos técnicos validados pelo ministério [e] realizaram um processo de seleção para avaliar várias soluções disponíveis no mercado”, afirmou o ministério.

O ministério informou ainda que não vê irregularidade no fato de a Gens, que implanta os sistemas, ser do grupo Totvs, que os produtos adquiridos atendem às necessidades dos hospitais e o Hospub “não atende de forma adequada às demandas de informatização de um hospital”.

A nota informa que sistema da Totvs, ainda não usado fora dos hospitais do RJ, passou a se chamar e-Sus Hospitalar e o ministério vai investir nesse sistema e parar de investir no Hospub.

Cada hospital que adquirir o e-SUS terá que bancar a manutenção após o prazo de manutenção dado pela Totvs, que vence ano que vem. Nos hospitais do Rio, o Datasus está sendo treinado para fazer a manutenção.

Os seis hospitais filantrópicos enviaram respostas semelhantes. Em todas, informam que o “pedido” de contratação do sistema partiu do Ministério da Saúde, mas que a escolha da Totvs e da Gens foi feita a partir de uma seleção para a qual foram convidadas seis grandes empresas do setor.

A Totvs enviou nota informando que foi convidada numa concorrência. “A definição e a seleção do sistema passaram por várias etapas e foi coordenada por uma banca formada pelos próprios hospitais, o Ministério da Saúde e a Datasus”. A reportagem questionou a Tovs em quais e quantos hospitais o sistema está implantado no país. A resposta foi: “Mais de 100 hospitais utilizam os softwares”.

O ex-ministro José Gomes Temporão pediu para a reportagem procurar o Ministério da Saúde.

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