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‘Milícia matou Marielle pela ocupação de terras’, diz secretário de Segurança

A vereadora Marielle Franco (PSL) foi morta porque milicianos acreditaram que ela poderia atrapalhar os negócios ligados à grilagem de terras na zona oeste do Rio de Janeiro. O crime estava sendo planejado desde 2017.

As revelações foram feitas ao jornal O Estado de S. Paulo pelo general Richard Nunes, secretário da Segurança Pública do Rio. Nunes, que assumiu a pasta em 27 de fevereiro, relatou problemas que encontrou e disse que vários generais que assumirão cargos na área em 2019 procuraram o comando da intervenção para levar o modelo de gestão a outros Estados.

O senhor imaginava o tamanho do problema que encontraria?

Imaginava. Primeiro: porque sou do Rio e acompanhei a evolução do quadro da Segurança no Estado. Segundo: porque comandei a força de pacificação na Maré (ocupação militar de complexo de favelas, zona norte do Rio, de abril 2014 a junho de 2015), vendo de perto no nível tático, na ponta da linha, o que estava acontecendo no Estado; e, depois, como comandante da Eceme (Escola de Comando e Estado-Maior do Exército) era tema de estudo nosso.

De R$ 1,2 bilhão enviado pelo governo federal, o gabinete da intervenção empenhou 39,06% ou R$ 468 milhões. Qual foi a dificuldade para gastar o dinheiro?

É um aspecto fundamental do início da ação: compreender as restrições impostas pelo regime de recuperação fiscal; Isso não estava claro para ninguém. O regime de recuperação fiscal estabelecido em setembro de 2017 nos causou embaraço de toda ordem. Tanto que a verba federal alocada aqui teve de ser administrada por uma estrutura que não existia, que tivemos de criar. No âmbito da secretaria, colocamos em funcionamento o Fundo Estadual de Segurança Pública e Desenvolvimento Social. É uma dádiva. São 5% dos royalties do petróleo. Este ano, já superamos R$ 300 milhões e no próximo deve superar R$ 400 milhões.

Considera que esse foi o principal efeito da intervenção?

Esse foi o grande diferencial dessa intervenção, o legado que acredito que vai ser apropriado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. O general Guilherme Cals Theophilo Gaspar de Oliveira virá aqui se reunir comigo e com o general (o interventor Walter Souza) Braga Netto; o (futuro) secretário de Segurança de São Paulo, o general (João Camilo Pires de) Campos, o futuro secretário do Paraná, general (Luiz) Carbonell, estiveram aqui conversando. Está havendo interesse nas experiências da intervenção federal que possam ser úteis em outras partes do País. E o grande diferencial foi exatamente esse. Fizemos a intervenção com propósito muito mais de reestruturar os órgãos do que de tratarmos do dia-a-dia da criminalidade. Segurança Pública é muito absorvida pela temática da criminalidade, mas não é só isso. Nossa preocupação é que o legado da intervenção tenha prosseguimento. O maior risco que corremos aqui é a divisão da secretaria, como pretendido pelo novo governo (do governador eleito do Rio, Wilson Witzel). É como acabar com o Ministério da Defesa. Como acabar com essa estrutura e fazer integração? Já deixei patente isso em várias reuniões. Eu e o general Braga Netto, mas o tempo vai passando, e a gente fica cada vez mais preocupado. Não adianta ficar pedindo GLO (operações de Garantia da Lei da Ordem com emprego de tropa das Forças Armadas na segurança pública). Esse negócio de GLO virou uma panaceia.

Aliás, continua GLO depois do fim da intervenção?

Não. GLO morre com a intervenção, no dia 31 de dezembro.

General, o caso Marielle foi uma afronta à intervenção?

Não foi. O que entendo hoje é que os criminosos superestimaram o papel que a vereadora poderia desempenhar. Era um crime que já estava sendo planejado desde o fim de 2017, antes da intervenção. Isso aí temos; está claro na investigação. O que aconteceu foi o contrário. Os criminosos se deram conta da dimensão que tomou o crime por ter sido na intervenção. Não podemos entender como afronta porque assumi em 27 de fevereiro. E dei posse ao comandante da PM em 14 de março, dia do crime. Estávamos iniciando um trabalho. E hoje, com dados de que dispomos de 19 volumes de investigação, fica claro que se superestimou o papel que ela desempenhava.

Que papel?

Ela estava lidando em determinada área do Rio controladas por milicianos, onde interesses econômicos de toda ordem são colocados em jogo. No momento em que determinada liderança política, membro do Legislativo, começa a questionar relações que se estabelecem naquela comunidade, afeta os interesses daqueles grupos criminosos. É nesse ponto que a gente precisa chegar, provar essa tese, que está muito sólida. O que leva ao assassinato da vereadora e do motorista é essa percepção de que ela colocaria em risco naquelas áreas os interesses desses grupos criminosos.

Como ela colocaria em risco?

A milícia atua muito em cima da posse de terra e assim faz a exploração de todos os recursos. E há no Rio, na área oeste, na baixada de Jacarepaguá, problemas graves de loteamento, de ocupação de terras. Essas áreas são complicadas.

A atuação dela seria de fazer…

Uma conscientização daquelas pessoas sobre a posse da terra. Isso causou instabilidade e é por aí que nós estamos caminhando. Mais do que isso eu não posso dizer.

O senhor ou a intervenção receberam pressões por esse crime?

Zero. O que há é muita especulação. Houve um movimento para tentar federalizar esse investigação totalmente desprovido de fundamento. Houve essa sugestão sob a suspeita de que a Polícia Civil não estaria fazendo um trabalho isento. Isso não tem fundamento. Temos de ter muito cuidado em não dar voz a criminosos que se encontram presos e colocam em xeque o processo de investigação (trata-se do miliciano Orlando de Araújo, o Orlando de Curicica).

Hoje depois desse tempo todo pode-se dizer que as milícias são um perigo maior para o Rio do que as facções criminosas?

Elas se equivalem. O que há de perigoso nas milícia é o modo como explora determinadas atividades. É mais insidiosa. Porém, facções têm adotado práticas de milícia e vice-versa. Como secretário, não há como estabelecer grau de risco diferenciado. Quando a milícia passa a aceitar o tráfico e quando o traficante se dedica a modalidades de crimes semelhantes aos da milícia, para mim, isso indica que temos de combater esses movimentos criminosos com a mesma intensidade.

O senhor vai conseguir deixar a secretaria com o anúncio da prisão dos envolvidos nesse crime?

Não tenho ideia. Nossa luta é contra o tempo; é coletar muitos dados que precisamos checar, de característica técnica, em um quadro de deficiência estrutural que encontramos. Esse cruzamento de dados, para poder fechar em cima dos autores, é demorado e complicado; filtros têm de ser feitos com precisão para que não se cometa erro. O erro que não pode cometer não é deixar de anunciar até 31 de dezembro. É anunciar precipitadamente e essas pessoas virem a ser inocentadas por um inquérito mal concluído. Não sou um ator político, até porque continuo no Exército, vou seguir minha vida.

Alguns dos suspeitos estão mortos?

É provável que sim.

Queima de arquivo?

Queima de arquivo ainda é difícil de caracterizar porque são pessoas que vivem da prática de crimes e estão mais sujeitas a esse tipo de desfecho.

Uma das críticas à polícia do Rio é sua letalidade. De 2013 a 2017, o Exército e a Marinha em suas operações mataram 19 pessoas e um militar morreu. Só em agosto a polícia matou 175 pessoas no Rio. O que faz a ação das Forças Armadas ter um nível de confronto menor?

A capacidade dissuasória. Comparar o Rio com outros Estados é complicado. O Rio convive com três facções de tráfico que disputam espaço, além de grupos milicianos. Por causa disso, as facções se armaram mais fortemente. Nossa orientação é que operações em comunidade sejam feitas com absoluta superioridade de meios para dissuadir o enfrentamento. Não tem havido atuação indiscriminada da polícia. Este ano, vamos ter redução de mortes de policiais em confronto. O aumento de mortes em confronto com a polícia se tornou mais debatido porque outros indicadores de violência caíram, como roubos e homicídios, e esse não caiu na mesma proporção, pois tem havido uma atuação da polícia mais ostensiva. Eu não comparo com as Forças Armadas. Quando ocupei a Maré, tínhamos a superioridade absoluta de meios. Ai de quem nos enfrentasse. Não nos enfrentaram porque não eram loucos.

O senhor acha que a regra de engajamento deve mudar, como na questão do bandido com fuzil?

É lógico que um criminoso armado com fuzil é uma ameaça. Não importa se ele está no ombro ou na mão. Alguém que porte um fuzil, sem ser policial ou militar, é uma ameaça à sociedade e é lícito, no meu entendimento, que ele seja engajado pela polícia. Mas não é mudando as regras de engajamento que vamos resolver isso.

Vários secretários da segurança serão generais. A que se deve essa opção do mundo político?

A sociedade chegou a um ponto de amadurecimento de entender que a nossa maior crise era ética, muito mais do que econômica e social. E as Forças Armadas conseguiram atravessar esse processo mantendo um alto grau de credibilidade, preservadas pelos valores que encarna. O outro aspecto inegável foi a intervenção federal, que sinalizou para o País que há condições de se enfrentar problemas gravíssimos por meio de uma correta percepção da realidade e encaminhamento de soluções que não sejam midiáticas e pirotécnicas.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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