O caso do estupro coletivo no Rio de Janeiro e os desdobramentos da investigação têm gerado debates sociais sobre o crime ter de fato ocorrido. Um vídeo divulgado na internet mostra que uma adolescente de 16 anos teria sido agredida sexualmente enquanto estava desacordada. Para além de juízos morais, é preciso observar o que legislação brasileira determina para que se configure este delito.
O artigo 213 do Código Penal define que estupro é “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A pena prevista é de prisão de seis a dez anos.
Para se configurar o crime de estupro não é necessário que o agressor chegue às vias de fato ou que ocorra, introductio penis intra vas, termo utilizado no direito.
A promotora de Justiça Mariana Bazzo, coordenadora do Núcleo de Promoção da Igualdade de Gênero (NUPIGE) explica que a legislação atual protege o corpo todo. “O que se tem é a proteção do corpo como um todo, nada pode ser violado sem consentimento da mulher”.
O advogado especialista em direito penal Gustavo Scandelari explica que ato libidinoso pode ser entendido como passar a mão no corpo da vítima, beijá-la ou tocar em áreas íntimas.
Scandelari diz que, tradicionalmente, os exames de vítimas que sofreram estupro apresentam marcas de violência nas coxas, nos braços, ou no rosto. Contudo, se uma vítima estiver desacordada obviamente não haverá resistência, nem marcas de violência física.
O fato de a vítima estar sob efeito de bebidas alcoólicas ou drogas a ponto de perder o discernimento pode ser decisivo para configurar o crime de estupro. Scandelari explica que, ainda que pessoa tenha consentido em participar de um ato sexual e consumido drogas por vontade própria, a partir do momento em que ela perde o discernimento, o ato passa a ser considerado estupro.
O artigo 217-A do Código Penal define como estupro de vulnerável a violência contra uma pessoa que “não tem o necessário discernimento para a prática do ato” e não possa oferecer resistência. Nesse caso, a pena é de oito a 15 anos de prisão.
“Existe ainda uma ideia relacionada a esse fenômeno cultural de que tem a mulher vítima, ou a mulher que procura a violência”, lamenta Mariana, mas ela alerta que: “Obviamente, não existe por onde sair, se uma pessoa abusa de uma mulher em situação de embriaguez, na qual ela está sem condições de oferecer resistência, isso com certeza é considerado estupro”.
Histórico
A legislação que define o crime de estupro foi alterada em 2009. Até então, a redação do artigo 213 do CP previa como estupro apenas “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”. Os outros atos libidinosos eram considerados atentado violento ao pudor, e estavam previstos no artigo 214, que foi revogado.
Com a mudança no texto da lei, a palavra “mulher” foi substituída por “alguém” no artigo 213, e homens também passaram a poder ser considerados vítimas de estupro.
Para Mariana Bazzo, a legislação que pune os atos de violência contra a mulher é um reflexo da sociedade. Ela relembra que até 2005, por exemplo, se estuprador casasse com a vítima, isso seria motivo para extinção da punibilidade, ou seja, ele não precisaria ser punido pelo crime.
Mariana relata que, até 1970, manuais de direito consideravam irrelevante a violência do marido contra a mulher que não “cumprisse seus deveres maritais” e não apresentasse um motivo que fosse tido justo para isso.
A mudança de lei em 2009 foi, na opinião da promotora, um reconhecimento da mulher como alguém que merecesse ser tratada com dignidade. Até então, o texto de lei só trazia a preocupação com a honra perante a sociedade. “O que havia era a proteção da virgindade, do defloramento, não da mulher”, aponta Mariana.