Mensaleiro João Paulo absolvido pela Câmara

Foto: J. Batista/Agência Câmara
Em sua defesa, o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha citou filósofos e o cantor Raul Seixas.

A Câmara dos Deputados absolveu ontem seu ex-presidente João Paulo Cunha (PT-SP), que confessou ter recebido R$ 50 mil do esquema montado pelo ex-tesoureiro petista Delúbio Soares e pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. Votaram 483 deputados, 256 deles a favor de João Paulo, 209 pela cassação, 9 abstenções, 7 votos brancos e 2 nulos. "Sei que os jornais vão continuar me chamando de mensaleiro pelo resto da vida", lamentou João Paulo, em seu discurso.

Foi a terceira maior presença de parlamentares nas sessões de julgamento dos acusados de ter se beneficiado do mensalão. À que cassou o mandato do ex-deputado José Dirceu (PT-SP) compareceram 495; à que também tirou o mandato do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), 489. Livraram-se da cassação, até agora, além de João Paulo, os deputados João Magno (PT-MG), Wanderval Santos (PL-SP), Professor Luizinho (PT-SP), Roberto Brant (PFL-MG), Sandro Mabel (PL-GO), Romeu Queiroz (PTB-MG) e Pedro Henry (PP-MT).

Dos 19 acusados de participar do mensalão, só três foram cassados. Além de Dirceu e Jefferson, perdeu o mandato o presidente do PP, Pedro Corrêa (PE). Hoje, já se sabe que muitos parlamentares do PP, ansiosos por se livrar de seu presidente, descarregaram o voto na cassação. Renunciaram ao mandato para fugir do processo os ex-deputados Valdemar Costa Neto (PL-SP), Carlos Rodrigues (sem partido-RJ), José Borba (PMDB-PR) e Paulo Rocha (PT-PA).

Desta vez, a deputada Ângela Guadagnin (PT-SP) não ensaiou os passos da dança da pizza, como fez na madrugada do dia 23, para comemorar a absolvição do deputado João Magno (PT-MG), que confessou ter recebido R$ 425,95 mil das contas de Marcos Valério. Ela nem esperou o encerramento da votação. Mas deu um palpite logo depois de João Paulo terminar seu discurso de defesa: "Foi uma defesa honesta, clara, transparente, de uma pessoa que não deve".

O deputado Cézar Schirmer (PMDB-RS), relator do processo de cassação do ex-presidente da Câmara, foi, como no Conselho de Ética, mais uma vez arrasador em seu parecer. Mas poucos o ouviram. Quando subiu à tribuna, menos de 30 deputados estavam presentes. Ele disse que em sua acusação não fez avaliações subjetivas. Tratou de fatos comprovados. "É um parecer, não um panfleto. Baseia-se fundamentalmente no depoimento do senhor João Paulo Cunha e nos documentos da defesa que, por mais incrível que possa parecer, foram determinantes no convencimento do relator quanto à culpabilidade", disse.

Schirmer centrou a acusação em três pontos: o saque de R$ 50 mil de uma conta de Valério feito por Márcia Milanesi Cunha, esposa de João Paulo, no Banco Rural, em 4 de setembro de 2003, às 16h58min, já fora do horário bancário; omissão de informações a respeito da retirada do dinheiro; e a contratação pela Câmara, na gestão de João Paulo Cunha, da empresa SMP&B, contrato marcado por acusações de irregularidades.

O deputado lembrou ainda que em 3 de setembro de 2003, João Paulo recebeu Valério na residência oficial, para um café da manhã. No dia seguinte, sua mulher foi ao Banco Rural buscar os R$ 50 mil. E que, no dia 15, foi feita a licitação para a conta de publicidade da Câmara, de R$ 10 milhões, concorrência que foi vencida pela SMP&B.

Em sua defesa, João Paulo citou o filósofo espanhol Ortega y Gasset que afirmou ser o "homem um eu e sua circunstância". Ou seja, viver é viver em alguma circunstância. "Vejam os senhores em que circunstância eu me encontro hoje. Tenho 22 anos de mandato. A metade da minha vida, um pouco mais, eu me entreguei para esta ação – e me entreguei com prazer, não reclamo disso." Ele disse que nunca havia comparecido a canto nenhum para responder por seus atos e ações.

Depois, citou o cantor e compositor Raul Seixas: "Se me faltar coragem para seguir viagem, a fé que me faltar eu vou buscar em você, meu pai". Recorreu ainda a Sócrates, confundindo-o, por um momento, com Aristóteles. Mas nem percebeu isso. Lembrou que na Atenas de 400 antes de Cristo já havia opinião pública. "E a opinião pública de Atenas, à época, fez um julgamento sem direito à defesa e condenou Sócrates à morte. Os crimes cometidos por Sócrates foram dois: o primeiro, afrontar o Estado da época no questionamento aos seus deuses, e o segundo, corromper a sua juventude. Então, percebam que a opinião pública nem sempre acerta."

Depois, João Paulo recorreu ao padre Antonio Vieira. "O padre Vieira dizia o seguinte: ?A dor faz gritar. Mas se ela é muito forte, ela silencia. A luz faz a gente ver. Mas se ela for muito forte, ela cega. A alegria vivifica. Mas se ela for em demasia, ela mata’." Tudo isso, para dizer que o relatório de Schirmer havia sido por demais severo com ele. Como no julgamento do Conselho de Ética tinha afirmado que Schirmer mentira, pediu desculpas.

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