O mais completo estudo já feito sobre o cérebro dos ancestrais do ser humano identificou o período no qual a estrutura do órgão deixou de seguir o padrão ainda presente nos grandes símios, como chimpanzés e gorilas, e adotou uma organização similar à existente nas pessoas de hoje. Esse processo teria se consolidado há cerca de 1,5 milhão de anos, depois que os primeiros membros do gênero humano já tinham deixado seu berço, a África.

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Tais conclusões se baseiam em técnicas de exames de imagem e reconstruções virtuais do cérebro de dezenas de parentes primitivos da nossa espécie, oriundos de diferentes regiões do Velho Mundo. Embora as estruturas cerebrais desses indivíduos não tenham sido preservadas, as técnicas computacionais permitem usar a anatomia interna do crânio para ter uma ideia de como eram os cérebros dele – mais ou menos como se as caveiras fossem usadas como moldes virtuais.

O trabalho, que acaba de sair no periódico Science, foi coordenado pelos dois maiores especialistas do mundo no uso dessa técnica, a boliviana Marcia Ponce de León e o suíço Christoph Zollikofer, que trabalham na Universidade de Zurique, na Suíça.

Os primeiros membros da linhagem de primatas bípedes que deu origem ao Homo sapiens sobreviveram durante milhões de anos com cérebros modestos, equivalentes aos dos chimpanzés atuais (ou seja, com mais ou menos um terço do tamanho dos nossos).

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Isso começou a mudar há cerca de 2 milhões de anos, quando já existiam formas primitivas do gênero Homo, ao qual pertencemos. Além de aumentar de tamanho, porém, o cérebro dos hominínios (como são conhecidos os ancestrais do ser humano) passou por uma reorganização de suas estruturas, que teve impacto importante sobre as capacidades mentais e motoras dessas espécies.

O plano de Ponce de León e Zollikofer, portanto, era identificar detalhes internos do crânio que trouxessem pistas sobre essa grande reforma do cérebro. Para isso, eles se concentraram num detalhe craniano conhecido como “capuz de Broca”, o qual, por sua vez, está associado à área de Broca –região cerebral envolvida no controle da fala, no controle de gestos e em movimentos manuais sofisticados, por exemplo.

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A sobreposição entre “capuz” e “área” é confusa até para especialistas, diz Ponce de León. “Pense no capuz de Broca como um recipiente de osso que abriga diferentes áreas cerebrais em grandes símios e humanos”, explica ela. “Nos grandes símios, a área de Broca fica na frente do capuz de Broca. Durante a evolução do cérebro humano, a área de Broca ‘se mudou’ para dentro do capuz.”

O problema é que as marcas deixadas por essa mudança na parte interna do crânio não são muito claras. A dupla da Universidade de Zurique e seus colegas conseguiu contornar isso usando outros detalhes da estrutura craniana que, indiretamente, dão pistas sobre a reorganização cerebral ao longo de centenas de milhares de anos.

Para visualizar o “antes e depois” da reforma anatômica, foi crucial contar com uma série de crânios achados em Dmanisi, na Geórgia –região das montanhas do Cáucaso, na divisa entre a Europa e a Ásia. Com idade entre 1,85 milhão e 1,77 milhão de anos, os hominínios da Geórgia, normalmente classificados como membros da espécie Homo erectus, representam uma das primeiras grandes expansões dos nossos ancestrais para fora da África e têm características bastante primitivas.

Tão primitivas, aliás, que elas antecedem a grande reorganização cerebral, mostrou a análise. O mesmo vale para crânios africanos com idades entre 1,8 milhão e 1,5 milhão de anos. É só depois dessa idade, tanto entre os H. erectus africanos quanto entre seus primos da Ásia, que a coisa muda de figura e o padrão cerebral mais moderno se estabelece claramente.

O que isso significa? Em primeiro lugar, que provavelmente a expansão inicial para fora da África aconteceu quando o cérebro e o comportamento dos hominínios ainda era relativamente mais próximo do dos grandes símios. Além disso, faria sentido pensar na idade de 1,5 milhão de anos como o marco zero da linguagem humana?

“Não sabemos se essas populações de Homo primitivos, com seus cérebros de ar moderno, tinham uma linguagem semelhante à humana –provavelmente era algum tipo de protolinguagem”, diz Ponce de León. Ela aposta numa espécie de evolução conjunta do cérebro e da cultura, na qual inovações culturais e linguísticas teriam favorecido um desenvolvimento cada vez mais intenso do cérebro.