Somente uma pessoa foi aprovada para o curso de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) por cotas raciais pelo Sistema de Seleção Unificado (Sisu). Outras oito conseguiram vagas entre o grupo que estudou em escolas públicas. Foi a primeira vez que o curso de Medicina mais respeitado do País participou do Sisu, que utiliza as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Havia 15 vagas que poderiam ser disputadas apenas por pretos, pardos e indígenas e 25 por estudantes de escolas públicas.
Os aprovados no Sisu foram divulgados nesta segunda-feira, 29, pelo Ministério da Educação. Uma das razões apontadas por especialistas e estudantes para terem sobrado vagas foi a nota mínima estipulada pelo curso. Para concorrer, era preciso ter tirado 700 no Enem em todas as cinco provas: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Redação. As notas mínimas são decididas pelas comissões de graduação de cada faculdade, formadas por professores em sua maioria.
Não é possível saber quantos estudantes tinham nota suficiente para concorrer em 2017. Mas, pela tabulação feita pelo jornal O Estado de S. Paulo com microdados do Enem 2016, apenas 0,039% dos candidatos do País tiveram 700 em todas as áreas naquele ano. Do total de 4,8 milhões de estudantes considerados pelo cálculo (são excluídos treineiros e notas zero), 1.915 estariam aptos a concorrer a uma vaga em Medicina na USP. Desses, só 161 estudaram em escolas públicas.
“As pessoas confundem 700 com 70% de acertos e no Enem não é assim”, diz o presidente de honra do Cursinho Henfil e estudioso do exame, Matheus Prado. O Enem usa uma metodologia moderna em que cada questão tem valor diferente e o resultado final do aluno depende do seu perfil de acertos. Por exemplo, se ele acerta muitas questões fáceis e acerta uma difícil, o sistema vai considerar que houve um “chute” e não pontuará um valor tão alto para esse acerto. “Cada área é uma régua diferente. O mesmo número de acertos em Matemática e em Linguagens vai dar notas diferentes para as duas disciplinas”, explica.
O jornal também tabulou outros 54 cursos da USP que ofereceram vagas para cotas no sistema e apenas Fonoaudiologia, Fisioterapia e Engenharia Aeronáutica também não preencheram todas as vagas. Esse último teve a nota mínima mais alta – 750 em cada área – e ninguém conseguiu as quatro vagas oferecidas para pretos, pardos e indígenas. Entre os que tiveram todos lugares ocupados estão Direito, Jornalismo e Medicina no câmpus de Ribeirão Preto da USP. Os três pediam nota mínima de 500.
Nota de corte
Este ano, 130 instituições, a maioria delas públicas, participaram do Sisu. A seleção é feita por uma nota de corte, que é calculada com base no desempenho dos alunos que se interessam pelo curso. Cada estudante coloca sua nota no sistema informatizado e fica sabendo sua colocação, de acordo com os concorrentes. Apenas uma minoria, como fez a USP, pede também uma nota mínima para os candidatos.
“E as que fazem isso usam apenas como uma maneira de barrar notas muito baixas”, completa o presidente do colégio de pró-reitores de graduação das universidades federais, João Braida. As Federais do Rio Grande do Norte e do Rio Grande do Sul, por exemplo, exigem 500 pontos na Redação e 450 nas demais provas. A Federal do Pampa pede 300 em todas as áreas do Enem.
“Eu estou muito feliz, mas achei uma injustiça pedirem notas tão altas”, diz Amanda Karsburg Fontella, de 22 anos. Ela foi um dos oito alunos que conseguiram a vaga de Medicina pelas cotas destinadas para escolas públicas. Amanda mora em Bagé, na fronteira com o Uruguai, e percebeu na inscrição do Sisu que teria nota para concorrer a uma vaga na USP. “Nunca pude nem fazer a Fuvest pela distância e dinheiro que gastaria no vestibular. Pus minha nota no sistema, mas jamais imaginei que teria tão poucos concorrentes.” Em Linguagens, ela teve nota 702,2, apenas 2,2 pontos além do mínimo exigido.
Já Felipe Ramos Caprini, de 19 anos, conseguiu nota acima de 700 em todas as áreas, com exceção de Linguagens, e não obteve a vaga. No entanto, ele foi o primeiro colocado entre os cotistas de escola pública em Medicina no câmpus de Ribeirão da USP. “Acredito que colocam uma nota muito alta porque acham que a melhor forma de avaliar o ensino é a Fuvest.”
Segundo o MEC, a nota mais alta registrada em Linguagens no Enem 2017 foi 788,8. Em Matemática foi 993,9.
A Universidade de São Paulo (USP) e a Faculdade de Medicina não deram entrevistas sobre a sobra de vagas oferecidas em cotas no Sisu. A assessoria de Imprensa da USP apenas informou que as vagas que não forem ocupadas voltarão para a seleção Fuvest e serão utilizadas também para ações afirmativas. A instituição aprovou no ano passado pela primeira vez na sua história um sistema de cotas no vestibular.
Este ano, a meta da USP é ter 37% de ingressantes vindos de escolas públicas em cada unidade. Em 2019, a exigência sobe para 40% E em 2021 para 50%.
A distribuição das cotas é feita entre Fuvest e Sisu – as metas consideram as reservas de vagas somando os dois métodos de ingresso. A Medicina, por exemplo, está oferecendo este ano pela Fuvest outras 36 vagas para cotistas, além das 40 que tinham sido ofertadas no Sisu.
A USP começou a participar do Sisu em 2016 e, depois disso, houve sobra de vagas em alguns cursos. No primeiro ano, só 57% das vagas oferecidas foram preenchidas. Um dos cursos que teve sobras foi Medicina no câmpus de Ribeirão. Em 2016, depois de quatro chamadas, só 15 das 29 vagas foram preenchidas. A unidade então reavaliou a situação e considerou que era preciso baixar a nota mínima. Este ano, todas as vagas foram preenchidas.
Geral
O curso de Medicina no câmpus de São Paulo ofereceu também este ano 10 vagas no Sisu para ampla concorrência, ou seja, poderiam participar candidatos de qualquer perfil. A nota mínima exigida foi a mesma, 700 em todas as áreas. Nenhuma vaga sobrou. A média do décimo colocado em ampla concorrência foi 819,92. Enquanto a primeira e única colocada entre os cotistas raciais teve nota 756,99. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.