Ensino fundamental: permanência aumentada em mais um ano é |
Brasília – Está pronto no Ministério da Educação (MEC) o texto do projeto de lei que amplia a duração do ensino fundamental de oito para nove anos. As crianças entrarão na escola com 6 anos de idade. O ministro Tarso Genro decidiu enviar o projeto ao Congresso por entender que é preciso aumentar o período de permanência na escola, a exemplo do que já fazem não só países desenvolvidos, mas vizinhos como Argentina, Uruguai e Paraguai. ?Ter o ensino fundamental de nove anos já é uma decisão?, disse o ministro Tarso Genro. ?Estamos atrasados em relação ao Mercosul?.
Apesar de não ser obrigatória, a oferta de ensino fundamental de nove anos já é realidade em 15% das escolas do País, a maior parte na rede pública. O MEC incentiva a ampliação e vem promovendo seminários sobre o assunto. Mas o apoio vai além da discussão. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) repassa recursos para custear o atendimento dos novos alunos de 6 anos de idade ou menos. O projeto do MEC prevê prazo de cinco anos para tornar obrigatória a oferta da nova série. O período é considerado indispensável pela presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Maria do Pilar Lacerda, que é secretária de Educação de Belo Horizonte. ?O ensino de nove anos é um ganho para o País. Mas nenhuma medida pode ser forçada de cima para baixo, sem uma transição que leve em conta as especificidades de cada município?, disse Maria do Pilar. A Constituição determina que o ensino fundamental é obrigatório. O que o MEC quer é alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que fixa a duração mínima de oito anos para alunos dos 7 aos 14 anos.
Resistências
Embora favorável ao projeto do MEC, o presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, Cesar Callegari, disse que a proposta poderá enfrentar resistências dos demais conselheiros. ?O assunto foi discutido pelo conselho no ano passado e o pensamento geral foi de que os sistemas de ensino deveriam ter autonomia para decidir?, lembra Callegari, que é também secretário de Educação no Município de Taboão da Serra (SP) e adotou os nove anos nas escolas da cidade.
O secretário de Educação Básica do ministério, Francisco das Chagas, disse que a ampliação vai beneficiar a população mais pobre, cujos filhos não têm acesso à educação infantil. ?Você já viu alguma criança de classe média fora da escola? Quem não freqüenta a pré-escola chega à primeira série, aos 7 anos, com um atraso enorme em relação aos demais?, disse Chagas. O relatório ?Educação para Todos – 2005? da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) mostra que a escolaridade compulsória na Argentina vai dos 5 aos 15 anos; no Uruguai, dos 6 aos 15; e no Paraguai, dos 6 aos 14, como quer o MEC no Brasil. Nos Estados Unidos, vai dos 6 aos 17 anos e no Reino Unido, dos 5 aos 16. ?Aplaudo a intenção do MEC, que caminha em direção ao que outros países já fizeram há muito tempo. Mas o impacto só é realmente positivo se o ensino for de boa qualidade?, disse o representante da Unesco no Brasil, Jorge Werthein. A adoção do sistema caminha a passos largos. Em 2003, eram 11 mil escolas, número que saltou para 26 mil no ano passado, segundo a versão final do Censo Escolar do MEC. Hoje 97% das crianças de 7 a 14 anos estão na escola.
Diferenças entre crianças da mesma família
Rio, Fortaleza e Brasília -Os quatro anos de idade que separam os irmãos cariocas Marcson e Davidson dos Santos Neves praticamente sumiram em sala de aula. Marcson, o mais velho, hoje com 14, só foi para a escola aos 7 e ainda está na sexta série do ensino fundamental, numa escola na Pavuna, no subúrbio. Davidson conseguiu vaga na pré-escola aos 4 anos e, aos 6, quando chegou ao ensino fundamental, sabia ler. Hoje, aos 10, está na quinta série. ?O menino que vai mais cedo para a escola aprende melhor. Às vezes, o pequeno ajuda o irmão. Ele leu mais rápido, escreveu mais rápido e consegue assimilar as coisas com mais facilidade?, disse a mãe, a diarista Andréa das Neves, de 32 anos. Marcson e Davidson explicitam bem a realidade do ensino no Rio: o ciclo de nove anos foi implementado em 1999 e hoje atinge a totalidade da rede. Marcson chegou à idade escolar na época em que apenas crianças de 7 anos eram aceitas. Davidson é cria da nova fase, de nove anos. Um tempo quase perfeito, diria a aposentada Lacyr Pereira, de 63 anos, que compara a situação dos netos Marcelo, de 7 anos, e André Felipe, de 6, com a de seus filhos, de 32, 33 e 38 anos. ?Meus filhos foram tarde para a escola. Os netos estão levando vantagem. Melhor, só se tivesse escola a partir de 2 anos?, sonha ela. Em Fortaleza, Jonathan Alberto Sousa da Silva, de 6 anos, já sabe escrever o próprio nome. Aluno da primeira série do ensino fundamental num bairro de classe média-baixa em Fortaleza, ele disse que a escola é melhor do que sua casa porque tem brincadeiras e amigos. A diretora da escola, Fátima Corrêa Nicolau, afirma que o desempenho dos mais jovens é melhor: ?Muitas vezes, as crianças chegam com 7 anos sem saber nada e ficam tímidas diante de outros colegas mais adaptados e confiantes?. A estudante Ellen Cristine Santos Lisboa, tem 5 anos, mas lê e escreve melhor do que muito adulto. Aluna de uma das 53 escolas públicas do Distrito Federal em que o ensino fundamental leva agora nove anos, Ellen definitivamente não fará parte das estatísticas de alunos que concluem o primário sem entender o que lêem – problema que afeta mais de metade dos estudantes brasileiros na quarta série.
Às vésperas de completar 6 anos, Ellen ainda não toca o chão quando está sentada na sala de aula da Escola Classe 24, em Ceilândia, cidade-satélite a cerca de 25 quilômetros de Brasília. Numa sala repleta de crianças de 5 e 6 anos, as brincadeiras fazem parte do aprendizado, que vai além da alfabetização e inclui uma introdução à matemática.
Minas foi o primeiro a ampliar para nove anos
Belo Horizonte – Doze estados já adotam, ao menos em parte de sua rede escolar, a prática de oferecer vagas para as crianças a partir dos 6 anos de idade. Minas Gerais foi o primeiro estado brasileiro a ampliar o ensino fundamental, passando o período de oito para nove anos. Hoje, todas as escolas estaduais, de praticamente todos os 853 municípios mineiros oferecem o ensino fundamental com nove anos de duração, além das escolas municipais de 646 municípios que aderiram à medida proposta pela Secretaria Estadual de Educação. Para a secretária estadual de Educação de Minas Gerais, Vanessa Guimarães, a iniciativa permitiu a inclusão de cerca de 100 mil crianças com 6 anos no sistema educacional no ano passado, passando para 130 mil crianças neste ano. Mas, segundo a secretária, o objetivo não é apenas a inclusão, mas também o acesso ao ensino pré-escolar, que é restrito a muito poucos. A Secretaria da Educação espera combater o principal problema entre os alunos da escola pública, que costumam chegar à quarta série do ensino fundamental com uma péssima leitura. A meta é chegar à segunda série com mais de 95% das crianças com leitura perfeita. A baixa capacidade de leitura e de expressão é considerada um dos maiores fatores da repetência, do abandono e do baixo desempenho dos alunos.
?A classe média, normalmente, busca a formação e o desenvolvimento das crianças mais cedo, através da educação pré-escolar. Essa necessidade é muito maior para as crianças das chamadas classes populares?, defende a secretária Vanessa Pinto. Na região Nordeste, o Ceará é o líder em número de matrículas de crianças com 6 anos no ensino fundamental. Em 2004, segundo a Secretaria estadual de Educação, 65.827 crianças com essa idade foram matriculadas na primeira série. O início do ensino fundamental aos 6 anos veio também como conseqüência de outra descoberta. Uma pesquisa da Universidade Federal do Ceará, em 1993, constatou que a classe de alfabetização era uma barreira para o ensino fundamental porque reprovava o aluno que não atingisse a média, dando início às distorções idade-série. Com o desestímulo, vinha a evasão escolar.
Falta consenso no governo para financiar a proposta
Brasília – Ao mesmo tempo em que quer ampliar a duração do ensino fundamental, o MEC tenta articular novo sistema de financiamento para injetar mais recursos na educação básica – creches, pré-escola, ensino fundamental e médio. A iniciativa, porém, esbarra na rigidez fiscal da área econômica e não há consenso no governo em torno da proposta de emenda constitucional para criar o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação). O Fundeb será mais abrangente do que o atual Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), que se limita a financiar o ensino fundamental. O MEC quer que o novo fundo repasse verbas também para a educação infantil e o ensino médio. E trava uma queda de braço com o Ministério da Fazenda para aumentar o aporte federal de recursos para estados e municípios, atingindo R$ 4,3 bilhões por ano. Como ocorre no Fundef, o Fundeb será formado majoritariamente por recursos estaduais e municipais. No Fundef, a União entra com menos de 3% dos recursos, percentual que deverá subir para cerca de 8% no Fundeb. O problema é descobrir de onde virá o dinheiro. O governo não enviou a proposta do Fundeb ao Congresso. O novo fundo era bandeira do PT, quando o partido era oposição, e faz parte das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O secretário municipal de Educação de São Paulo, José Aristodemo Pinotti, considera boa a proposta do Ministério da Educação, mas disse que é preciso saber de onde sairão os recursos para a sua implantação. ?É preciso deixar bem definido de onde virão os recursos e que isso não representaria mais encargos para os municípios?, disse Pinotti.