Três homens presos em agosto de 2018 no Rio de Janeiro afirmam que foram torturados por militares do Exército logo após a prisão para que prestassem informações sobre criminosos da região da Penha, onde foram detidos. Outros quatro presos já haviam feito a mesma denúncia no ano passado. A tortura teria ocorrido em um quartel na Vila Militar, na zona oeste do Rio. À época, o Estado do Rio estava sob intervenção federal na segurança pública. As três denúncias mais recentes foram feitas durante audiência realizada na Justiça do Rio de Janeiro nessa terça-feira, 5.
“Eles (os militares) me colocaram numa cadeira, virado para a parede, e começaram a fazer perguntas. Achavam que, só porque moro lá (na Penha), sou obrigado a saber de tudo. Como não sabia, me batiam com uma ripa nas costas e na cabeça. Me fizeram comer papel. Perguntaram que gosto tem. Eu disse ‘nenhum’. Depois botaram spray de pimenta no papel e mandavam eu comer. Depois falavam: ‘Agora tem gosto, né? Responde o que a gente quer'”, afirmou Jefferson Luiz Rangel Marconi, de 26 anos, um dos presos que acusam os militares de tortura.
Acusações semelhantes foram feitas contra Marcos Vinícius do Nascimento, de 21, e Ricardo da Conceição Glória, de 33, presos no mesmo dia em que Marconi. Eles não se conheciam e estavam em pontos diferentes do complexo da Penha quando foram presos em flagrante, acusados de portarem três quilos de maconha e dois quilos de cocaína, além de carregadores e munição para fuzis e pistolas. O trio nega que estivesse com esses produtos.
Só Marconi mora na região. Glória é lutador de MMA, mora em Marechal Hermes (zona oeste) e estava na Penha porque pretendia ir a um baile funk. Nascimento é mototaxista, mora em Duque de Caxias (Região Metropolitana do Rio) e foi à Penha naquele dia para levar um passageiro.
Os três teriam sido encaminhados para a mesma “sala vermelha” já citada por quatro outras supostas vítimas de tortura e que fica na 1ª Divisão de Exército, na Vila Militar. O coronel Deocleciano José de Santana Netto, responsável por aquela operação no Complexo da Penha, não negou à Justiça a possibilidade de ter havido tortura dentro do quartel: “Ouvi, na imprensa, relatos sobre sala vermelha. Não posso dizer que não aconteceu. Mas não conheço essa sala vermelha. Tortura não é uma prática que a gente oriente que o subordinado faça. Não temos por conduta institucional dizendo para subordinado torturar”, afirmou o coronel.
Após ouvir os depoimentos, a juíza Simone de Faria Ferraz, da 23ª Vara Criminal, determinou que os réus sejam encaminhados a exame de corpo de delito e que seja oficiado ao Comando-geral do Exército para que “informe nome completo e outros dados pessoais de cada militar componente das patrulhas que realizaram operações na data apontada na denúncia e que encaminhe ao juízo a ficha disciplinar de todos os militares envolvidos nas operações noticiadas na data da denúncia, em especial dos militares arrolados como testemunhas”.
Procurado pela reportagem, o Comando Militar do Leste informou que ainda não recebeu o requerimento expedido pela juíza. Também afirmou que, após a primeira denúncia (feita por quatro supostas vítimas de tortura), um inquérito policial militar foi instaurado, concluído e submetido ao Ministério Público Militar, “a quem cabe agora apreciar e adotar as providências julgadas cabíveis”.