Em prol de uma população mais saudável, dois terços dos brasileiros (67%) se dizem favoráveis ao aumento de impostos para bebidas açucaradas, como refrigerantes e sucos, e 74% são contrários à existência de incentivos fiscais para esses produtos.
Os dados são de uma nova pesquisa Datafolha, encomendada pela ONG ACT Promoção da Saúde. Foram entrevistadas presencialmente 2.081 pessoas de todas as regiões do Brasil em maio deste ano. A margem de erro é de 2 pontos percentuais.
Em comparação a pesquisas semelhantes, de 2016 e 2019, o cenário está cada vez menos menos favorável para as fabricantes, embora a Abir (Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas) apresente números que apontam em outra direção, com 69% contrários à tentativa de reduzir consumo por meio da taxação em uma pesquisa de 2020.
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A diferença está no direcionamento das perguntas: no caso da pesquisa da ACT é apresentado o aspecto da baixa saudabilidade de bebidas açucaradas, cujo consumo é associado ao aumento do risco de desenvolver diabetes e do ganho de peso e obesidade. E ressalta-se a possibilidade de usar o dinheiro dos impostos para aumentar os recursos para financiar a saúde.
Marília Albiero, coordenadora de alimentação da ACT, diz que o fator mais importante para levar à redução do consumo, e consequente melhoria no panorama das doenças crônicas, é o preço.
Atualmente 60,3% da população está acima do peso, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde 2019, do IBGE, a mais recente. Com obesidade são 26,8%, mais que o dobro do que se registrava em 2003, 12,2%. Os dados se referem à população acima de 18 anos.
A ideia da entidade é replicar o sucesso das campanhas antitabagistas. Depois de aumento da tributação, desincentivos e restrições para os cigarros, o percentual de fumantes no país está hoje em 9,8% da população acima de 18. O índice era de 34,8% em 1989.
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“Não é uma escolha só do indivíduo, e não adianta só dar informação para reduzir o consumo desses produtos”, argumenta Albiero. O fato de a pessoa estar inserida num sistema alimentar desfavorável — com pouco acesso a comida fresca, por exemplo — acabaria empurrando-a para escolhas menos saudáveis.
“Os produtos industrializados não sofrem com sazonalidade, têm escala. São opções cada vez mais baratas, e a comida saudável está cada vez mais cara. Para resolver isso, de um lado tem que aumentar tributo para mexer no preço final. Do outro lado, para aumentar o acesso aos produtos saudáveis. Aí não adianta só reduzir imposto, tem que haver mais apoio aos produtores”, diz a coordenadora da ACT.
No momento existem diversos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que visam implementar esse tipo de taxação, mas eles encontram dificuldade em prosperar, conta a nutricionista e pesquisadora de pós-doutorado do Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde) Ana Paula Bortoletto. Um dos motivos, afirma, é o lobby da indústria de alimentos.
Quando em 2020 o ministro da Economia, Paulo Guedes, aventou criar “impostos do pecado”, para taxar produtos maléficos à saúde, abriu-se uma oportunidade para se voltar ao tema, diz Bortoletto.
O parecer do relator da reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), porém, foi no sentido de buscar mais evidências e debates sobre o tema. Com o fatiamento da reforma ficou mais difícil tornar a proposta digerível.
Pesquisas como a da ACT, diz Albiero, adicionam um senso de urgência ao tema.
Exemplo do exterior
Uma das motivações para aumento da tributação e remoção de vantagens fiscais vêm do exterior. Um exemplo recorrente no debates é o do México.
O país da América do Norte instituiu a partir de 2014 um imposto do tipo sobre essas bebidas (com exceção das lácteas) o que, segundo artigo publicado em 2019 no periódico especializado International Journal of Behavioral Nutrition and Physical Activity, se seguiu de uma redução no consumo dos produtos. Por sua vez, bebidas não taxadas, como água, passaram a ser mais consumidas.
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Segundo os autores, a taxa, atualmente de cerca de 10%, deve ser aumentada para haver um efeito ainda mais pronunciado.
Segundo estimativas da ACT, com uma taxa de 20% sobre bebidas açucaradas, haveria arrecadação de R$ 4,71 bilhões por ano, e mais recursos poderiam ser investidos em campanhas de combate ao diabetes e à obesidade. Outra possível fonte de recursos seria a retirada de incentivos fiscais, como aqueles para empresas na Zona Franca de Manaus, num total de R$ 3 bilhões.
Outro lado
Apesar da relação entre aumento na ingestão de açúcares e doenças crônicas (como cânceres e problemas renais) atestada em pesquisas científicas, a indústria argumenta que o consumo de bebidas adoçadas vem se reduzindo no Brasil (em 51,5% de 2007 a 2019), período em que houve aumento da obesidade, não sendo essa, portanto, a única explicação para o fenômeno.
Em nota, a Abir diz que o aumento das doenças crônicas deve ser combatido com informação. “Alimentos não causam danos à saúde. Uma alimentação desequilibrada, sim. A educação nutricional gera consumidores mais preocupados com sua saúde. A indústria apoia e incentiva soluções que promovam hábitos de vida equilibrados.”
“Oferecemos hoje uma gama imensa de produtos em nosso portfólio, com os mais diferentes teores calóricos, à escolha do consumidor. Firmamos compromissos robustos com foco nas demandas ligadas à saudabilidade, apostamos na autorregulação para atender as mais diversas agendas do país, investimos em inovação, sustentabilidade, geramos empregos e aquecemos a economia do país”, afirma Victor Bicca”, presidente da entidade.
A Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos) se diz comprometida com a redução de açúcares, numa tentativa de autorregulação da indústria, mas é contrária ao aumento de impostos. “O brasileiro já não aguenta mais pagar tanto imposto. Pedir qualquer aumento de tributos é atuar contra o consumidor brasileiro”, afirma João Dornellas, presidente da associação.