Magistrados resistem ao fim do nepotismo

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O nepotismo resiste, principalmente
no Nordeste. Seus defensores
começam a inundar o STF de ações.

Brasília – Um movimento silencioso em defesa do nepotismo começa a ganhar corpo entre magistrados de todo o País. Antes mesmo de ser publicada no Diário de Justiça, a resolução do Conselho Nacional de Justiça que proíbe a prática no Judiciário já enfrenta resistências em pelo menos três tribunais de Justiça: os do Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Goiás.  

Eles adotaram medidas para tentar manter os empregos de parentes de juízes e desembargadores ou admitiram publicamente ser contra a proibição.

Segundo fontes do CNJ, outros três tribunais podem aderir ao movimento esta semana. Do Maranhão, veio a primeira contestação oficial à nova norma: três parentes do ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), juiz Alcebíades Tavares Dantas, ainda empregados no órgão, tentaram manter seus contracheques com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF). Por uma questão técnica, não conseguiram. Mas prometem uma nova investida em breve.

Aprovada há 12 dias, a resolução do CNJ será publicada esta semana. A partir daí, os tribunais de todas as instâncias terão 90 dias para exonerar os funcionários que ocupam hoje cargos de confiança e são cônjuges, companheiros ou parentes de até terceiro grau de juízes ou servidores que exercem cargos de chefia.

O desafio é dos mais complicados: embora não existam estatísticas nacionais, um levantamento feito pelo jornal O Globo mostra que o nepotismo foi disseminado pelo País e está hoje concentrado nos tribunais estaduais, especialmente no Nordeste. O Rio Grande do Norte foi palco da primeira tentativa de burlar a norma. Na reta final de elaboração da resolução antinepotismo, quando os conselheiros já discutiam o seu texto final, a Assembléia Legislativa aprovou, sem alarde, uma lei para garantir a permanência no cargo dos parentes de juízes já nomeados.

 O projeto foi enviado ao Legislativo pelo próprio presidente do tribunal, desembargador Amaury Sobrinho, passou por todas as comissões em apenas uma semana, foi aprovado em plenário na manhã do dia 11 deste mês e sancionado no mesmo dia, à tarde, pela governadora Wilma Faria (PSB). O Ministério Público do estado e a OAB denunciaram o caso ao CNJ. "A norma do conselho tem de ser cumprida por todos os tribunais. Lei estadual não pode prevalecer. Há movimentos claros como este pela perpetuação do nepotismo", disse o presidente da comissão antinepotismo da OAB, Vladimir Rossi. No Maranhão, o juiz Alcebíades Dantas foi denunciado pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho por empregar mulher, irmã, filha e genro.

Dantas defendeu a permanência dos parentes com o argumento de que são casos diferentes. Segundo ele, sua mulher já era concursada do tribunal quando eles se casaram; a filha foi nomeada quando ainda não havia concurso público; e o genro foi empregado antes de casar com a filha. O juiz não quis falar sobre o caso da irmã; limitou-se a dizer que ela "está na linha de saída". O juiz reclama estar sendo perseguido e ataca a resolução: "Estão metendo situações diferentes no mesmo balaio. A resolução é tão absurda que condena quem ainda nem nasceu. Deixou de ser uma questão racional para ser uma questão fanática. É preconceito vinculado a raízes nazistas e fascistas", diz ele.

Com exceção da irmã, os demais familiares do magistrado impetraram em conjunto o mandado de segurança no STF para tentar manter os empregos. A ministra Ellen Gracie não aceitou a ação alegando que ela deveria ser impetrada no tribunal local, e não no Supremo.

Outra voz contrária à resolução é a do presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, desembargador Osvaldo Stefanello. Ele questiona a legitimidade do conselho para proibir parentes. E anunciou que irá propor no Colégio de Presidentes de Tribunais de Justiça, que se reunirá de 9 a 13 de novembro, em São Luís (MA), que a norma seja ignorada nos estados onde já existam leis sobre o tema. "O conselho não tem legitimidade para legislar", disse Stefanello, garantindo que o nepotismo está banido no estado. Em Goiás, o nepotismo é institucionalizado. Uma lei sancionada em 1997 pelo então governador Maguito Vilela permite que sejam contratados para cargos de confiança até dois parentes de autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário.

Em Alagoas, o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Estácio Luís Gama de Lima, praticamente trabalha em casa: 25 familiares são lotados no TJ, desde assessores de gabinete ao diretor-geral, que é um de seus filhos, Élcio Oliveira Tenório. A mulher do desembargador, Elce Tenório Gama, ocupa cargo de chefe de gabinete e outro filho do casal, Nelson Tenório de Oliveira Neto, é presidente do Fundo de Modernização do Poder Judiciário (Funjuris). O desembargador limitou-se a dizer que os empregos da mulher e dos filhos são legais porque eles são concursados, e não explicou os outros casos. Mas o CNJ disse que parentes, mesmo concursados, não podem estar subordinados a juízes. No Piauí, o presidente do Tribunal de Justiça, desembargador João Batista Machado, diz que emprega três familiares: "São concursados, mas vou tirá-los para dar bom exemplo". Machado calcula que pelo menos 200 servidores serão demitidos quando o tribunal começar a cumprir a resolução do CNJ.

Mas para o Sindicato dos Servidores da Justiça (Sindsjus), o número pode chegar a 400. Em Pernambuco, 82% dos cargos do tribunal são ocupados por servidores não concursados, dos quais 40% (127) são parentes de juízes e desembargadores. A prática contraria lei aprovada ano passado pela Assembléia Legislativa. Na Bahia, o TJ ainda aguarda a publicação da resolução para iniciar o levantamento do número de parentes empregados.

Tribunal de Justiça do Rio tem 15 mil servidores

Rio – Levantamento prévio indica que cerca de 12% dos cargos em comissão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro estão preenchidos por parentes de magistrados. Seriam cerca de 90 funcionários, mas o número deve crescer em razão do critérios para qualificar o grau de parentesco estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (até terceiro grau).

O presidente do TJ-RJ, desembargador Sérgio Cavalieri, disse que vai cumprir a decisão do conselho, mas prevê dificuldades no cumprimento da medida: "Uma vedação à proibição geral será injustiça. O problema será estabelecer uma regra. Há aqui no Rio, por exemplo, uma emenda constitucional desde o início deste ano. A partir desta emenda, não foi mais admitido qualquer parente, mas ela diz que a medida só vale daqui para a frente. A princípio, vamos cumprir, embora seja passível de ser impugnada. Ela deverá sofrer impugnação judicial", disse Cavalieri.

Mas o diretor do Sindicato dos Serventuários da Justiça do Rio de Janeiro, Jorge Omir, afirma que o nepotismo no TJ é bem maior, atingindo até a classe de juízes leigos, formada na sua maioria, segundo ele, por filhos e outros parentes de magistrados. São 15 mil servidores, cerca de 160 desembargadores e 800 juízes na estrutura do TJ-RJ, com 800 cargos em comissão (quando os tribunais de Alçada foram extintos, há oito anos, em torno de 400 cargos comissionados também se extinguiram). Segundo Cavalieri, a esmagadora maioria dos casos que se enquadram na determinação do CNJ é de assessores de desembargadores. O presidente do tribunal afirma que mais de 80% dos cargos em comissão já são ocupados por funcionários concursados do Judiciário.

Funcionários das áreas de recursos humanos e informática do TJ-RJ estão trabalhando no levantamento mais detalhado dos casos de nepotismo. De acordo com o desembargador, o trabalho deve ser concluído em um mês.

Desembargadores e assessores devem resistir à implementação da medida recorrendo ao próprio tribunal e às instâncias superiores. Embora não falem abertamente, os magistrados afirmam que a resolução não é lei nem emenda constitucional e sua aplicação terá problemas. Para eles, o CNJ exorbitou ao extrapolar as questões administrativas e legislar.

No Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, que abrange o Rio e o Espírito Santo, também está sendo feito levantamento dos casos de nepotismo. De acordo com o presidente do TRF-2.ª Região, desembargador Francisco Gueiros, 3,91% dos cargos em comissão são ocupados por servidores não concursados.

No Pará

A Ordem dos Advogados do Brasil, seção Pará (OAB-PA), por decisão de seu conselho seccional, afirmou que iria tomar providências judiciais e administrativas contra o desembargador João Maroja, acusado de prática de nepotismo. O desembargador rechaçou a acusação e atribui a animosidade contra ele às seqüelas da campanha pelo desembargo.

Segundo o presidente da OAB, Ophir Cavalcante Júnior, Maroja, assim como todos os outros advogados que se candidataram ao cargo de desembargador pelo quinto constitucional (um quinto da formação do segundo grau do Judiciário é formado por membros da OAB e do Ministério Público) assinaram documento no ato da inscrição, prometendo defender sempre a bandeira da OAB pela moralização administrativa e contra a prática de nepotismo. Comprometeram-se, inclusive, a não nomear parentes para seus gabinetes, caso fossem eleitos. Maroja nomeou a filha Ana Paula Maroja para chefiar seu gabinete.

Nepotismo é uma velha prática em todos campos da política brasileira

Brasília – Nepotismo (do latim nepos, neto ou descendente) é o termo utilizado para designar o favorecimento de parentes em detrimento de pessoas mais qualificadas, especialmente no que diz respeito à nomeação ou elevação de cargos. Originalmente a palavra aplicava-se exclusivamente ao âmbito das relações do papa com seus parentes, mas modernamente tornou-se quase sinônimo de concessão de privilégios ou cargos a parentes no funcionalismo público. Distingue-se do favoritismo simples, que não implica relações familiares com o favorecido.

Ocorre o nepotismo quando, por exemplo, um funcionário é promovido por ter relações de parentesco com aquele que o promove, havendo pessoas mais qualificadas e mais merecedoras da promoção. Alguns biólogos sustentam que o nepotismo pode ser instintivo, uma maneira de seleção familiar.

Esta tem sido a prática corriqueira na administração pública brasileira. O governo FHC usou os cargos públicos federais como instrumento de sua estratégia para assegurar o apoio no Congresso. O governo federal conta com cerca de seis mil cargos qualificados de livre nomeação, dentre os cerca de 19 mil existentes, dos quais cerca de 600 estariam ocupados pelos "afilhados, parentes ou cabos eleitorais dos parlamentares".

No âmbito do Poder Legislativo, os exemplos são abundantes. No Senado, em 1998 identificou-se que entre os 81 senadores, 17 empregavam parentes em seus gabinetes. Na Câmara dos Deputados, também há o uso de cargos de confiança em gabinetes parlamentares para fins de nepotismo: cerca de 180 parlamentares empregariam mães, filhos, genros e outros parentes em funções de confiança.

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