Ricardo Stuckert |
Lula: "Quero dizer que não tenho vergonha de dizer que temos que pedir desculpas". |
Brasília – Dizendo-se traído e indignado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem um improviso no fim de seu pronunciamento à nação para pedir desculpas ao povo brasileiro em nome dele e do PT e fazer um apelo para que a sociedade não perca a esperança, apesar da situação que o país vive.
Lula disse no discurso, de cerca de dez minutos, que, se dependesse dele, todos os responsáveis já teriam sido punidos e lembrou que afastou desde o primeiro momento os integrantes de seu governo envolvidos nas denúncias de um esquema de financiamento de campanha. Olhando para a câmera fixamente e não escondendo o nervosismo, o presidente fez um pedido de desculpas meio envergonhado, recorrendo à primeira pessoa do plural para se dirigir ao povo brasileiro.
"Quero dizer ao povo brasileiro que não tenho vergonha de dizer que temos que pedir desculpas. O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem que pedir desculpas porque o povo, que tem esperança no país, não pode em momento algum ficar satisfeito com a situação que vivemos. Quero dizer a vocês para não perderem a esperança. Sei que vocês estão indignados e eu certamente estou tão ou mais indignado que qualquer brasileiro. Tenho certeza que posso contar com o povo brasileiro", disse Lula, no fim de seu discurso, deixando a parte escrita e falando de improviso, que parecia ter ensaiado previamente.
O presidente disse que está consciente da gravidade da crise política e que fundou o PT, na década de 80, como forma de "moralizar as campanhas eleitorais e tornar cada mais limpa a disputa eleitoral". Nesse momento, Lula disse que continua fiel a esses ideais. "Eu me sinto traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. Sinto-me indignado pelas revelações que aparecem todo dia e que chocam a população. Não mudei e tenho certeza de que a mesma indignação que sinto é partilhada pela população", disse.
Em seguida, o presidente falou da punição de petistas envolvidos nas denúncias. "Se estivesse a meu alcance já teria identificado os responsáveis. Determinei desde o início que ninguém fosse poupado", afirmou. O presidente defendeu uma reforma política para que novos escândalos de corrupção não aconteçam. "O Brasil precisa corrigir seu sistema político-eleitoral", disse. Segundo o presidente, "é necessário punir corruptos e corruptores", mas também tomar "medidas drásticas para o futuro". Lula advertiu que a crise política não pode trazer problemas para a economia, citando a geração de empregos e política social.
Lula disse ainda ter certeza que seu governo avançou e que "o povo saberá perceber a mudança". "O país está mudando para melhor. Esse país não pode parar e tenho certeza que esse é o desejo da sociedade brasileira".
Lula pediu aos ministros que trabalhassem com mais afinco para que o governo não paralise diante da crise política. "Temos que arregaçar as mangas", afirmou. Ao saudar os novos ministros, disse: "Vocês estão entrando num governo que, apesar das dificuldades, fez o Brasil retomar o caminho do progresso e da justiça social. Num momento que voltamos a crescer, com inflação baixa, gerando empregos no campo e na cidade".
O presidente continuou. "E o que mais me orgulha, pela minha história e pelo compromisso que eu tenho com a gente da minha terra, é a retomada da oferta de trabalho, com 104 mil novas vagas formais por mês".
"Só desculpas não resolvem", diz Rigotto
São Paulo – O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, disse que o pronunciamento do presidente Lula "não acrescentou grande coisa". A declaração foi dada ontem, em entrevista coletiva na sede a Fiesp, na região Central de São Paulo. Sobre o cenário econômico, Skaf declarou que a crise política ainda não afetou a economia do país, mas pode prejudicar novos investimentos.
"Não sinto que tenha sido um pronunciamento oficial à nação. Foi uma colocação dentro de uma reunião ministerial. Assim foi minha leitura. Confesso que a mim não acrescentou grande coisa. Pelo que vi, ele simplesmente coloca que está indignado e que tudo deve ser apurado com o maior rigor. Como cidadão brasileiro espero exatamente isso", disse Skaf, que afirmou ter visto apenas um pedaço do pronunciamento.
O governador de Minas, Aécio Neves, disse que o presidente Lula perdeu "uma grande oportunidade de avançar mais na identificação dos responsáveis e também da sua própria responsabilidade". E completou: "Eu acho que, infelizmente, a crise se agrava e o presidente da República poderia ter tido hoje uma palavra um pouco mais firme, admitindo que o seu entorno estava apodrecido e que, na verdade, hoje o Brasil vive uma crise em razão, no mínimo, do alheamento do presidente em relação ao que aconteceu ao seu entorno.
O governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto (PMDB), disse que Lula precisa sair do imobilismo para não comprometer os bons resultados da economia. Rigotto fez a declaração ao comentar o pronunciamento feito pelo presidente na abertura da reunião ministerial, em Brasilia. "Só desculpas não resolvem. é preciso investigar profundamente e punir todos os responsáveis pelas irregularidades, onde estiverem. Além disso, o governo precisa sair do imobilismo em que se encontra, porque essa postura pode acabar comprometendo os bons indicadores citados pelo presidente", disse Rigotto.
Pronunciamento "foi pífio" e "tardio"
São Paulo – O cientista político Wanderley Reis, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, disse ontem que o pronunciamento do presidente Lula foi pífio e tardio. Para ele, após tanto de uma crise séria, depois das revelações do publicitário Duda Mendonça, esperava-se algo mais esclarecedor. "Essa manifestação de Lula hoje foi uma frustração", afirmou.
Ele fez uma comparação de Lula com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Assim como FHC, Lula não convenceu estar indignado como ele dizia que estava. "Da mesma maneira que Fernando Henrique não ficava indignado com as denúncias no seu governo." Assim como outros especialistas que ouviram o pronunciamento de Lula, Wanderley Reis esperava uma posição mais afirmativa, inclusive citando nomes e, se possível, se dissociando de algumas pessoas envolvidas na crise. "O que se esperava dele era uma liderança autêntica, e não pautada pela correria do noticiário", disse.
A cientista política Lúcia Hippólito tem opinião semelhante. O pronunciamento de Lula foi insuficiente dada a gravidade da crise e a expectativa da sociedade. "Esse lado da crise não se mexeu nem a favor nem contra o presidente da República. Foi um discurso inócuo". Para ela, o fato do presidente Lula se pronunciar sobre a crise política foi um avanço, à medida que ele não tinha falado até agora. Lúcia, porém, questionou o fato de o presidente ter dito que foi traído, sem citar os nomes dos traidores. "O presidente Lula precisava ter responsabilizado pessoas. Foi traído por quem?", indagou. "Há um temor referencial ao deputado José Dirceu", acrescentou, atribuindo a ele a possível responsabilidade.
Lúcia questionou ainda o tom usado no pronunciamento. "É um discurso com endereço errado", disse.