Nenhum presidente da República popularizou tanto os temas de interesse da Nação como Luiz Inácio Lula da Silva. Sua presença física e o costumeiro discurso em inúmeros eventos governamentais no Palácio do Planalto, nos múltiplos seminários de entidades representativas da classe operária ou patronal, nas visitas aos Estados e nos encontros internacionais são a marca registrada do original Chefe da Nação para o qual não há assuntos proibidos ao povo brasileiro.
É hora do Lula abrir a “caixa preta” da inflação, dissecando-a e trocando em miúdo seus componentes. Não basta o presidente do Banco Central do Brasil, Sr. Henrique Meirelles, afirmar que os “agentes econômicos formadores de preços e os reajustes salariais precisam pautar-se pela expectativa de inflação futura e não pela passada”. Não é suficiente a Nota Explicativa do COPOM (Conselho de Política Monetária) justificar a manutenção da estratosférica taxa de juros básica de 26,5% porque se mantém “a inércia inflacionária” e o “núcleo da inflação continua alto”.
Será útil para universalizar o conhecimento do matéria que o Banco Central divulgue seu sofisticado modelo matemático para calcular o “núcleo da inflação” e o compare com a metodologia usada para o mesmo fim pelos governos dos países de economias desenvolvidas.
Lula deveria pôr a lume quais são os produtos oriundos de monopólios e como tem variado seus preços. Idem em relação aos preços gerados por oligopólios ou grupos cartelizados, caso das distribuidoras de derivados de petróleo e dos postos de gasolina, dos fabricantes dos artigos de higiene e produtos de limpeza, de remédios e outros.
O COPOM dá suma importância às variações dos preços administrados de luz elétrica e telefone, herança das privatizações do governo FHC em que nos oito anos de mandato as tarifas de luz subiram 254% e as de telefone 509%, evidenciando que os aumentos são parcialmente absorvidos na decomposição dos outros itens da inflação. Para não dar pretexto aos especuladores, o governo Lula e as telefônicas recém acordaram reajuste escalonado de tarifas.
Não há mal em perguntar se as ex-estatais gigantes da mineração e da fabricação de aço vem colaborando com o governo no combate à inflação? A Cia. Vale do Rio Doce obteve fantástico lucro de R$ 1, 1 bilhão no 1.º trimestre/2003, a CSN e outras fabricantes de aço tem se beneficiado do maior valor de seus produtos no mercado internacional. Essas empresas reduziram seus preços para os consumidores internos ou reajustaram tabelas para cima?
A Petrobras no 1º trimestre deste ano alcançou formidável e inédito lucro de R$ 5,5 bilhões, para gáudio de seus acionistas. O Real valorizou-se, o preço internacional do petróleo decresceu e aumentou de 20% para 25% a adição do álcool (mais barato) à gasolina. Por que o governo Lula não dá um tranco no “núcleo da inflação” compelindo a estatal a diminuir significativamente os preços do óleo diesel e do gás de cozinha, com reflexo imediato no custo do transporte de cargas e de passageiros, e na redução proporcional do preço do frete e das passagens?
Só para ilustração, a última ata do COPOM que manteve os juros de 26,5% diz: “A projeção do aumento do gás de botijão subiu de 1,6% para 4,5% e apesar da Petrobras ter mantido o preço o gás subiu 4,13% para o consumidor final em abril. Mas isso foi compensado pela queda do preço da gasolina no início de maio, o que fez cair de 8,4% para 6% a projeção de aumento total do produto no ano”.
Um dos vilões da inflação “teimosa” seria o arroz importado. Em outras épocas, houve a singela explicação de que o “chuchu” ou o “tomate” eram os responsáveis pela inflação. Com a produção industrial em declínio, desemprego crescente e baixo poder aquisitivo evidentemente ninguém terá o desplante de sequer falar em inflação de demanda. Não se concebe pressão altista de bens de consumo e nem se imagina aquecimento de procura de televisores e geladeiras. Afinal, em que produtos de varejo a inflação está diminuindo devagar, a ponto de assustar o COPOM? A propósito, as redes de supermercado tem auxiliado o governo e resistido às pressões de elevação de preços por parte de segmentos industriais e de importados?
Apraz-me lembrar o chega pra lá que o Lula deu no início de seu mandato nos usineiros que, em face da boa cotação internacional do açúcar, estavam propensos a reduzir a produção do álcool, menos lucrativo naquele instante. Fez-se o “acordo de cavalheiros” e não faltou álcool.
Na gestão Lula há muitos “Conselhos”, “Câmaras Setoriais”, “Grupos de Trabalho”, “Comitês”, etc. Que tal criar um “Conselho de Acompanhamento de Preços e da Inflação”, com gente do governo e do empresariado, com a finalidade de escalpelar todos os itens pontuais que influenciam na formação de preços? Por que quando o Real se deprecia os bens importados puxam a inflação para cima com rapidez, mas demora o efeito contrário ao valorizar-se a moeda? Por que não caiu o preço do pão?
Com seu jeito especial e peculiar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve agora escancarar a “caixa preta” da inflação, baixar substancialmente os juros básicos (Taxa SELIC) que incidem na dívida pública, manter o câmbio competitivo para garantir elevados superávites comerciais e retomar o desenvolvimento econômico, condição fundamental para obter justiça social.
Léo de Almeida Neves
ex-deputado federal e ex-diretor do Banco do Brasil. Autor dos livros “Destino do Brasil: Potência Mundial, Editora Graal, RJ, 1995, e “Vivência de Fatos Históricos”, Editora Paz e Terra, SP, 2002.