Um dia depois de ouvir manifestações de preocupação por parte de empresários e sindicalistas sobre o futuro do pacto social, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, tentou amenizar o ceticismo. “Não é hora de pessimismo”, disse ele. “Temos de acreditar que as coisas podem acontecer.”
Durante reunião realizada na quinta-feira, para formar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – anunciado pelo PT como o embrião do pacto -, muitos dos 150 participantes queixaram-se da falta de agenda definida e temem a dispersão das discussões. “Só que aquilo não era o conselho”, justificou Lula, que comandava o encontro. “Era uma reunião para discutir a formação do conselho.” Para ele, o grupo vai começar o trabalho do zero.
“Concordo que não podemos transformar o conselho num habitué de reuniões, mas o importante em tudo isso é que estamos criando o hábito de dialogar com a sociedade e, mesmo entendendo as diferenças, encontrar soluções”, argumentou o presidente eleito.
Lula garantiu que continuará ouvindo todos os setores, apesar das divergências. “Começamos ontem e começamos bem”, encerrou. Na prática, no entanto, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social ainda é uma incógnita. O coordenador da equipe de transição, Antônio Palocci Filho, afirmou que a instância terá caráter consultivo e será ligada à Presidência da República, a partir de janeiro de 2003.
O futuro governo espera que, mesmo sem ser deliberativo, o conselho sirva para pressionar o Congresso, criando o que Lula chama de “consensos mínimos” em torno das reformas. Ainda no primeiro semestre do ano que vem, ele quer enviar para a Câmara o projeto de reforma tributária. Depois, promete cuidar das reformas previdenciária, agrária, trabalhista e política.
Para os convidados reunidos no Hotel Intercontinental, em São Paulo, Palocci afirmou que o conselho é “o ambiente no qual vai se procurar construir um novo pacto social no Brasil”. Ou seja: muitas das discussões sobre projetos de interesse do governo serão travadas por um grupo, que deve ter no máximo 70 integrantes e se reunirá a cada 30 ou 60 dias – a periodicidade não está definida. A partir daí é que as propostas serão apresentadas ao Legislativo.
Palocci disse que, inicialmente, a pauta do conselho ficará em torno de três temas: 1) desenvolvimento sustentável e geração de empregos; 2) inclusão social e 3) fortalecimento das instituições. Por enquanto, um verdadeiro guarda-chuva, que pode abrigar uma infinidade de debates.
“É preciso ter um foco mais definido”, insistiu hoje o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Horácio Lafer Piva. Na sua opinião, se o novo fórum não pactuar o congelamento de preços e salários a iniciativa estará fadada ao fracasso. “Temos de trabalhar as convergências, não as divergências”, rebateu o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), João Antônio Felício.
Fome
O primeiro tema exposto na reunião de quinta-feira foi o projeto petista batizado de Fome Zero. O plano tem como público-alvo 9,3 milhões de famílias com renda mensal até R$ 180 ou 44 milhões de pessoas. Um dos pilares do programa é o cupom para compra de alimentos. A idéia é que o valor varie de R$ 50 a R$ 150 por mês.
Empresários, banqueiros, sindicalistas e representantes de movimentos sociais reunidos com Lula concordaram de que é preciso acabar com a fome. Mas a fórmula dos cupons ainda é alvo de polêmica.
O deputado Delfim Netto (PPB-SP), que participou do encontro, aplaudiu a idéia de criar um conselho para debater grandes temas como o da fome. Ressalvou, porém, que é preciso cuidado para o grupo não ser corporativo nem substituir o Congresso. “A idéia é interessante, pois trata-se de um instrumento para que a sociedade civil possa dizer claramente ao presidente o que deseja”, ponderou Delfim.
Lula garantiu que em nenhum momento teve a intenção de substituir o Parlamento. No fim da tarde, ele embarcou para Brasília, onde jantará com FHC. “Pretendo conversar com o presidente Fernando Henrique sobre transição”, informou.