O governo do PT vai bem onde ele é menos PT: a política econômica. E desanda justamente no ponto em que era forte: a seara social. Em seu primeiro ano de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acertou onde não inovou, submetendo-se ao receituário vigente que tanto criticava quando era oposição. O resultado é que se indispôs com a facção mais ortodoxa de sua base, a esquerda, e colheu elogios no segmento que mais temia sua gestão: o mercado financeiro.
Longe do espetáculo do crescimento previsto há seis meses, o governo Lula completa um ano com inflação sob controle e superávit comercial, mas à custa de pesados efeitos colaterais como queda na renda e aumento do desemprego. O pífio resultado do Produto Interno Bruto (PIB), a perda de postos de trabalho e as trapalhadas na área social contrastam com o alentado programa de governo petista, Um Brasil para todos, que destacava a vocação do País para crescer 7% ao ano, com nível mínimo de 5%. Mais: puxava o social como ?eixo? do desenvolvimento.
?Não há processo sustentável e duradouro de desenvolvimento se não enfrentarmos essa questão da distribuição de renda?, afirma o ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho. Documento reservado da Fazenda, garante que o governo criará, em 2004, ?mecanismos permanentes de monitoramento (…) dos programas sociais em andamento, a fim de avaliar a eficácia do gasto público na redução da pobreza e da desigualdade de renda?. ?Aumentar em 10% a distribuição de renda seria equivalente a crescer 3% durante 25 anos. Esse é o nosso maior desafio?, constata Palocci.
Escanteio
O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, resume assim a nova etapa do governo: ?Temos de ser progressistas dentro do conservadorismo?. Em outras palavras, a equipe petista não pretende jogar para escanteio instrumentos clássicos de ajuste, como metas de superávit primário e de inflação. ?Mas terá uma agenda de desenvolvimento mais ousada?, assegura o presidente do PT, José Genoino.
O Planalto comemora agora a aprovação das reformas tributária e da Previdência no Congresso, uma iniciativa que também foi do governo Fernando Henrique Cardoso, frustrada pela oposição do próprio PT. O partido jamais engoliu o discurso de que era necessário taxar servidores públicos aposentados. ?Mas, em política, não podemos nos referenciar em posições que defendemos no passado?, alega hoje o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini. ?O PT também pregava a estatização do sistema financeiro.?
Na área social, dois estandartes petistas – o combate à fome e a reforma agrária – ainda deixam a desejar. O Fome Zero perdeu-se nos meandros do marketing e da burocracia. Na reforma agrária, Lula tenta se equilibrar entre dois pólos: de um lado, seus compromissos com os movimentos sociais no campo; de outro, a responsabilidade de não comprometer um dos setores mais prósperos da economia, o agronegócio.
O presidente valeu-se de seu capital político pessoal para conter o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em novembro, anunciou que assentará 400 mil famílias até o fim do mandato, em 2006, e fixou como meta conceder crédito fundiário para outras 130 mil. ?Até aqui foi uma tragédia?, define o coordenador do MST, João Pedro Stédile.
Figurino
Com a bênção de seus companheiros, Lula vestiu o figurino de centro ainda como candidato e desbastou o discurso ideológico. Depois que a esperança venceu o medo, slogan da campanha petista, a palavra da vez é paciência para o crescimento.
No programa de governo, o PT estipulou metas ambiciosas: criar 10 milhões de empregos em quatro anos e dobrar o valor do salário mínimo no mesmo período. Para que esse objetivo começasse a sair do papel já em 2003, o PIB teria de crescer, em média, 5% ao ano. Mas a tesourada já desfez a aritmética eleitoral: o Plano Plurianual de Investimentos (PPA) agora prevê 8 milhões de empregos até 2007, ou seja, num prazo ainda maior e após o término do governo Lula. Até aqui, o tão falado programa Primeiro Emprego é uma peça de marketing.
Diplomacia de alto risco
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva imprimiu um ritmo ansioso e ambicioso à política externa e com improvisos nos discursos e giros internacionais, gerou mais polêmica interna que discussões e impactos além das fronteiras do Brasil. Os críticos mais severos acreditam que as iniciativas, com raros exemplos substantivos, não passam de uma retórica ideologizada, que mescla elementos da política independente dos ex-presidentes Jânio Quadros e general Ernesto Geisel. Os mais afáveis avaliam que as atitudes tomadas pelo Palácio do Planalto e o Itamaraty são extremamente ousadas e positivas. Embora considerem que ainda não é possível calcular os benefícios e os riscos dessas ações, ressaltam que, na política internacional, o País anda ?no fio da navalha?.
Desde que tomou posse, em 1.º de janeiro, Lula manteve um discurso enfático sobre a prioridade do governo à relação do Brasil com a Argentina, como base para o fortalecimento do Mercado Comum do Sul (Mercosul). Mas orientou a política para a construção do que batizou como a ?nova geografia política e comercial para o mundo?. Apresentada por Lula como uma via para a inclusão dos países subdesenvolvidos nos grandes debates internacionais, a idéia ressoa como o resgate da fracassada estratégia Sul-Sul, de alinhamento contra as premissas do primeiro mundo.
Light
Em paralelo a essas iniciativas, o Itamaraty resolveu construir uma aliança com outros 21 países exportadores e importadores agrícolas às vésperas da reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em setembro, em Cancún. Exitosa, a experiência tornou-se o exemplo mais concreto da costura desse novo mapa-múndi. Mas ainda se mostra suscetível a escapar do plano pragmático para o da ideologização, avisam os críticos.
Da mesma forma, o Itamaraty insistiu na queda-de-braço com os Estados Unidos em torno de um novo modelo para a negociação da Alca. Ganhou a parada, com o consenso sobre o formato da ?Alca light? em novembro, em Miami. Mesmo com os acordos com a vizinhança sul-americana, a diplomacia não conseguiu dissipar o alto risco de o Brasil acabar isolado e com acesso limitado dos bens e serviços ao mercado americano.
Para 2004, o governo pretende partir para a prospecção de novos aliados. A estratégia Sul-Sul será levada por Lula à Índia, à China e, quem sabe, à Rússia, fato que poderá consolidar a idéia de unir essas economias emergentes de relevância no cenário internacional em um Grupo dos Cinco (G-5).
Eleições vão terminar com a lua-de-mel
As eleições municipais de 2004 vão pôr um ponto final na lua-de-mel de parte da oposição com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pelo menos é o que apostam líderes dos principais partidos de oposição: o PSDB e o PFL. Os tucanos e os pefelistas, que este ano tinham compromissos com as reformas da Previdência e tributária e ajudaram o Palácio do Planalto, prometem agora fazer uma oposição mais aguerrida ao governo de Lula em 2004. Afinal, os candidatos desses partidos serão concorrentes diretos na disputa com o PT pelas mais de 5 mil prefeituras do País.
?A eleição municipal será um miraculoso bálsamo porque ficará claro que o PT é nosso adversário em toda parte. Aí, o fígado vai falar mais alto e o namoro de parte do PFL com o PT terminará com as eleições?, diz o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN). ?A tendência é a oposição ser mais dura em 2004 e a tendência é que fique mais acirrada com as eleições. Todos os defeitos do governo virão à tona com as eleições?, observa o ex-governador e senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). ?O PSDB vai ter menos momentos em que votará com o governo no ano que vem?, afirma o líder tucano no Senado, Arthur Virgílio Neto (AM).
O PFL, que passa por um sério racha interno, deverá ficar mais unido em 2004. A tendência é que as alas comandadas pelo presidente nacional do partido, senador Jorge Bornhausen (SC), e pelo senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) unifiquem o discurso. Bornhausen e ACM têm como inimigos nos estados o PT e opor-se ao Planalto será uma questão de sobrevivência política.