Lula aplaudido por 50 mil franceses em Paris

Presidente Lula, ontem, durante
sua palestra na Sorbonne.

Paris – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi dormir reconfortado ontem, em Paris, após ter sido aplaudido por uma multidão de 50 mil pessoas, reunidas na Praça da Bastilha, quando foi chamado ao palco pelo ministro da Cultura, Gilberto Gil, responsável pela animação do show, um dos pontos altos do Ano do Brasil na França. Lula chegou pela manhã ao país, com ar visivelmente cansado, reclamando de que não havia dormido no Airbus que o transportou do Brasil, tendo cumprido um extenso programa de encontros e discursos durante o dia.

Emocionado com a manifestação do público na Bastilha, ele decidiu romper o protocolo, que não previa declarações, dirigindo-se à multidão, no local mais simbólico da revolução francesa. "O Brasil é grande não por suas dimensões, mas sim pela grandeza de seu povo", afirmou, reencontrando o clima político favorável de outros tempos, onde muitos dos espectadores franceses insistiam no coro: "Lula! Lula! Lula!" Essa reação revela que a crise política brasileira, só agora explorada pelos jornais franceses, ainda não chegou a atravessar o Atlântico.

O presidente, na fala na Bastilha, afirmou que freqüenta a França desde 1980, mas que nunca havia imaginado que poderia estar em Paris como presidente ao lado dos cantores e compositores Jorge Benjor e Gilberto Gil, num show comemorando o Ano do Brasil na França. Segundo Lula, "o ser humano será do tamanho que imaginarmos". "Se pensamos pequeno, ele será pequeno mas se pensarmos grande, ele será grande", afirmou, concluindo que tudo isso tem feito com que ele sinta muito orgulho de poder ter vivido na noite passada um momento excepcional. O presidente permaneceu pouco tempo no local, retirando-se em seguida para o Hotel Marigny, onde se encontra hospedado, em companha da primeira-dama, Marisa Letícia Lula da Silva.

Já na prefeitura da capital francesa, reduto dos socialistas do país, o prefeito Bertrand Delanoé, numa manifestação de solidariedade, mas sem citar os fatos que envolvem, atualmente, o governo de Lula e o PT, havia dito que "o Brasil se encontra no coração dos parisienses por sua música, seu teatro, seu futebol e suas cores".

Por isso, ele pretendia saudar o "camarada" Lula, definido como o presidente sindicalista pela luta e história, tendo acrescentado: "Lula, você é um símbolo do Brasil e do mundo para todos os que querem que a miséria recue".

O coquetel no salão nobre da administração municipal reuniu cerca de 500 convidados especiais, entre franceses e brasileiros, até mesmo a ex-primeira-dama francesa Danielle Mitterrand e o ex-primeiro-ministro Pierre Mauroy. Lula, mais solto em relação às intervenções anteriores, afirmou que Paris é o símbolo também da luta pela liberdade, tendo lembrado que essa cidade acolheu ilustres professores brasileiros impedidos de lecionar nas universidades brasileiras pelo regime ditatorial, tendo citado Jorge Amado, Josué de Castro e Celso Furtado. Hoje, segundo Lula, "a França continua solidária, engajada na luta contra a fome e a miséria no mundo".

Na Sorbonne, Lula fala sobre papel global do País

Paris – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou ontem para alunos e professores da Universidade de Sorbonne, por mais de meia hora, sobre o papel do Brasil no cenário internacional. A universidade promove, desde ontem, o "Colóquio Brasil: Ator Global".

Lula citou os esforços do governo na construção de um comércio internacional mais justo e no combate à fome e à pobreza mundiais. Ele destacou que essa não é uma responsabilidade apenas do Brasil, mas de todas as nações. "O problema da fome e do subdesenvolvimento não será resolvido apenas pelas forças de mercado", ressaltou.

Para o presidente, os subsídios agrícolas, concedidos em especial pelas nações mais ricas, são um dos fatores que permitem a perpetuação da fome no mundo. "Não é humano e racional que uma vaca tenha um subsídio superior à renda individual de centenas de milhões de homens e mulheres espalhados pelo mundo", disse.

De acordo com Lula, estudo do Banco Mundial constatou que a liberalização do comércio agrícola significaria um faturamento extra global de US$ 200 bilhões, que poderia retirar mais de 500 milhões de pessoas da linha de pobreza.

"O Brasil quer que sua voz seja cada vez mais ouvida no plano internacional, mas queremos também ouvir as vozes de outros países para identificar interesses comuns, intensificar o diálogo e a cooperação", acrescentou.

Haiti

Lula conclamou também a comunidade internacional a ajudar no processo de recuperação do Haiti. Segundo o presidente, "é preciso dar condições ao povo haitiano para reencontrar a esperança".

Sob o comando do Brasil, 6 mil militares integram força de paz da Organização das Nações Unidas no Haiti. Em julho do ano passado, foi criado o Fundo Internacional para a Reconstrução do Haiti, com a estimativa de arrecadar US$ 1 bilhão de países doadores, mas o dinheiro ainda não foi investido no país.

Lula pediu ainda atenção ao continente africano. "Está na hora de todos nós fazermos um sacrifício para dar oportunidade à África de se desenvolver", disse. O presidente também defendeu a reforma da Organização das Nações Unidas (ONU). "Ser democrata é acreditar que todos têm direito de ser atores. E que nem sempre a razão do mais forte é a mais forte das razões."

Alemanha, Brasil, Índia e Japão, que compõem o chamado G-4, propõem a inclusão de mais seis países como membros permanentes no Conselho de Segurança da ONU: dois africanos (ainda não definidos) e mais os membros do G-4. Também sugere o aumento de 10 para 14 no número de países não permanentes no conselho. O grupo também pede uma representação mais igualitária, com a inclusão de países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Integração sul-americana

Lula reafirmou que a integração da América do Sul é uma das prioridades da política externa brasileira. "Nenhum outro governo brasileiro usou a aproximação com nossos vizinhos com tanta intensidade."

O presidente disse que a idéia é que no próximo ano todos os países da América do Sul tenham uma obra de infra-estrutura financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo Lula, os países estão criando uma consciência de não depender mais das promessas das nações mais ricas. Ele adiantou que, amanhã, irá firmar um acordo com o presidente da França, Jacques Chirac, para a construção de uma ponte sobre o rio Oiapoque, que vai ligar o Amapá à Guiana Francesa.

Genro defende novo modelo de desenvolvimento

Paris – O novo presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Tarso Genro, defendeu ontem a adoção de um novo modelo de desenvolvimento econômico do País, sem que isso signifique uma ruptura com a atual política adotada pelo ministro da Fazenda, Antônio Palocci.

"Neste momento, vamos trabalhar para a rigidez da macroeconomia como está e, a partir disto, vamos projetar para o futuro um novo modelo de desenvolvimento econômico", disse Tarso, que acompanha o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em visita de três dias à França.

Genro afirmou ainda que é preciso separar as relações entre o PT e o governo. Segundo ele, isso só é possivel quando as relações são "transparentes, previsíveis e planejadas".

Tarso Genro defendeu a transição para uma política econômica que volte às raízes do PT tradicional. Quando um jornalista quis saber se esta nova relação que o PT busca com o governo pressupõe defender uma nova política econômica, Genro disse:

"A questão da transição, promover um desenvolvimento que gere distribuição social e combata a desigualdade, ainda é uma questão em aberto. Eu defendo esta posição, sempre defendi e vou continuar defendendo", afirmou.

Sobre os escândalos envolvendo o PT, o novo presidente não descartou a instauração de uma auditoria nas contas do partido.

"Não é improvável que tenhamos que fazer uma auditoria, se tivermos alguma dúvida", disse.

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