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Moradores do Cajuru, abandonados,
optam pela "lei do silêncio".

Curitiba – Traficantes da Região Metropolitana de Curitiba estão matando líderes comunitários que tentam impedir o aliciamento de menores e a venda de drogas em plena luz do dia. Levantamento da Federação de Associações dos Moradores de Curitiba e Região Metropolitana mostra que, somente nos últimos três anos, 19 presidentes de associações de moradores que prestam serviços voluntários em bairros de periferia foram mortos. As mortes já foram denunciadas à polícia. Com as famílias sob constantes ameaças, filhos desses líderes também começam a ser assassinados pelo crime organizado, que estaria proliferando na região.

Diante dos crimes em série contra dirigentes de associações (somente este ano foram quatro mortes), muitos estão mudando de endereço até três vezes por ano ou deixando o Estado. Com medo, líderes comunitários estão pedindo destituição do cargo. Muitos bairros perigosos começam a ficar à mercê dos traficantes. Nos últimos dois anos, 15 dirigentes deixaram o serviço voluntário em regiões violentas após ameaças. ?Os traficantes ficam ligando para minha casa, dizendo que não sossegam enquanto não matarem minhas duas filhas?, disse X., mulher de um militar da reserva que por anos prestou serviço em comunidade carente mas que foi obrigado a deixar o Paraná após seguidas ameaças.

Em alguns bairros já impera a lei do silêncio. No Cajuru, uma das áreas mais violentas na periferia de Curitiba e onde se concentra parte das mais de 500 associações da cidade, comerciantes estariam sendo obrigados a pagar pedágio para manter estabelecimentos com portas abertas. Quem resolve denunciar pode ser morto no dia seguinte. Na Rua Trindade, conhecida pela forte influência de traficantes, comerciantes e moradores evitam falar sobre o assunto temendo represálias.

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?Os traficantes estão mancomunados com a polícia e ficam sabendo das denúncias. Os marginais estão tentando calar a boca de todo mundo?, denuncia o presidente da Federação de Associações dos Moradores de Curitiba e Região Metropolitana (Femoclam), João Pereira, que disse sofrer todos os dias ameaças por telefone para abandonar o posto.

Em plena cidade onde o governo federal iniciou a Campanha Nacional de Desarmamento, é comum que líderes comunitários andem armados. ?Se os bandidos estão se armando até os dentes não podemos ficar reféns?, disse Pereira, que desconversa ao ser perguntado se anda armado ou não. Na Operação Desarmamento, que antecedeu a iniciativa do governo federal, foram aplicados R$ 2,9 milhões. Desde o início da campanha do governo federal, 29 mil armas foram entregues no Paraná. O governo investiu aproximadamente R$ 1 milhão no pagamento da bonificação de R$ 100 pela entrega de armas à campanha neste ano.

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O presidente da Femoclam reclama da falta de investimentos em segurança pública, que segundo ele teriam diminuído em todo o Estado do Paraná. Números da entidade indicam que, em dois anos, 180 mil habitantes do bairro Tatuquara deixaram de ter a proteção de 60 policiais e 12 patrulhas e teriam passado a contar com apenas nove policiais e dois carros. Desde 2003, o governo do Estado informou ter adquirido 977 carros para a Secretaria de Segurança Pública, num investimento da ordem de R$ 32 milhões. Nos bairros da periferia, dizem líderes comunitários, não é difícil se deparar com adolescentes fumando maconha ou negociando a compra de cocaína e crack à luz do dia. Em janeiro, um garoto de 14 anos foi internado de manhã após sofrer uma overdose. No hospital, descobriu-se que ele comandara um assalto a uma videolocadora um dia antes.

Tirar as crianças do narcotráfico

Em bairros carentes de Curitiba, uma boa parte dos líderes comunitários exerce trabalho assistencialista. Organizam bingos e festas para levantar recursos destinados a moradores que precisam comprar material escolar ou mesmo passar por cirurgias. Também buscam vagas em hospitais e em escolas públicas.

?Tentamos tirar crianças das ruas porque, do contrário, irão conviver de perto com traficantes. E os piás (crianças) acabam caindo em tentação?, disse Antônio Santos, presidente da Associação de Moradores de Tatuquara.

Misturadas a chacinas, as mortes encomendadas caíram na vala comum das estatísticas oficiais. O número de assassinatos de líderes comunitários é contabilizado apenas pela Femoclam, que reúne 1.737 entidades no Estado. A Secretaria de Segurança Pública alega que os crimes não foram notificados como ?mortes premeditadas?.

Para o advogado da Femoclam, Edson Feltrin, o governo paranaense não tem dado importância às mortes de líderes comunitários. ?Se as mortes fossem de grandes figurões, tudo seria diferente. Mas ninguém está preocupado com a morte de pobres que tentam ajudar pobres?, disse.

Nenhum registro de ameaça

A Secretaria de Segurança Pública do Paraná (Sesp) informou que não tem controle direto sobre trabalhos e atividades das associações de moradores. Tais entidades e seus representantes, segundo a secretaria, não têm vínculo com os Conselhos Comunitários de Segurança (Consegs) e são autônomas. ?Os Consegs, órgãos juridicamente ativos, recebem orientação de profissionais vinculados à secretaria. Há cerca de dois anos nenhum registro de ameaça ou qualquer tipo de violência a presidentes ou integrantes do conselho foi feito?, disse a secretaria, em nota. A Sesp informou ser ?completamente seguro? participar dos Consegs e que em momento algum as associações de moradores informaram sobre as mortes. ?Caso a denúncia tivesse sido feita a nós, as imediatas e devidas providências teriam sido tomadas?. A Sesp disse que entrou em contato com os denunciantes para obter detalhes para a abertura de investigação do caso. Atualmente, existem 188 Consegs em todo o Estado. Destes, 23 estão em Curitiba e outros dez espalhados por cidades da Região Metropolitana. As reuniões dos conselheiros contam sempre com a presença de um policial militar.

Voluntariado continua, apesar do medo

Curitiba – Em menos de um ano, Y. teve o marido e o filho mortos por traficantes. Mesmo assim quer dar continuidade ao trabalho voluntário que a família presta há mais de 11 anos na cidade de Araucária, Região Metropolitana de Curitiba.

Seu marido, ex-presidente da associação de moradores de um bairro da cidade, foi morto enquanto investigava, sem ajuda da polícia, a morte do filho, de 27 anos.

O rapaz dava aulas gratuitas de capoeira no bairro. Foi morto a pedradas depois que seu pai denunciou à polícia traficantes que permaneciam em portões de escolas tentando aliciar menores para vender maconha e cocaína. ?Meu marido foi morto na porta de casa. Soube que o assassino é um dos maiores traficantes da região?, conta a viúva.

Filho morto

O líder comunitário Paulo Santos havia acabado de entregar o ovo de Páscoa ao filho mais velho, no ano passado, quando viu o rapaz ser morto na porta de casa. Dois homens numa moto atiraram sete vezes contra o jovem, então com 18 anos.

Presidente da Associação de Moradores de Uberaba, na periferia de Curitiba, Paulo já havia recebido um recado semanas antes: se continuasse tentando impedir a ação dos traficantes, um de seus três filhos seria morto. Ele avisou a polícia. ?A polícia não deu ouvidos. Dizia que não podiam fazer nada?, disse, que se mudou três vezes temendo pela vida dos outros filhos: ?Continuam ligando para a minha casa e dizendo que agora estão de olho em mim?.

Paulo foi obrigado a deixar sua casa e procura não ter endereço fixo por mais de seis meses para proteger a família.

?Muitas vezes fui perseguido por carros e motos em situações estranhas, mas não vou abandonar o serviço na associação. Se fizer isso, vou me sentir impotente diante de uma violência que cada vez faz mais vítimas?, disse.

Deixou o Paraná

Não bastasse o medo provocado pelas ameaças contra suas duas filhas, W. foi obrigada a separar-se do marido ao menos temporariamente. Militar da reserva, ele presidia uma associação de moradores na periferia de Curitiba. Não suportou as ameaças de morte e deixou o Paraná.

?Achamos melhor que ele nos deixasse um tempinho. Não agüentava mais as ameaças e os xingamentos por telefone. Os traficantes diziam, às gargalhadas, que matariam minhas filhas se meu marido continuasse perturbando, ou seja, tentando impedir o tráfico no bairro?, conta W.

Ela disse que só não deixou o bairro porque depois de muitos anos realizou o sonho de montar uma escola infantil. ?Não é possível, depois de tanto sacrifício, abandonar meu sonho por causa desses desocupados?, disse, hoje à frente da associação de moradores.

W. mudou sua rotina desde que começou a ser ameaçada: não sai mais sozinha, especialmente à noite. E pretende entregar um dossiê às autoridades relatando as ameaças que ela e seu marido receberam.