Pelas ruas dos bairros mais altos, poços artesianos clandestinos furam a terra sem controle das autoridades. As casas têm estoques de água, separadas entre galões que servirão para matar a sede e fazer comida e aqueles que serão usados para a limpeza. Perto do rio, ainda há muita indignação. Em Governador Valadares, maior cidade do País dependente das águas agora sujas do Rio Doce, com 279 mil habitantes, a população vem aprendendo a não depender somente da água que sai das torneiras.
O problema começou em 9 de novembro de 2015 quando chegou à cidade a lama da Barragem de Fundão, da mineradora Samarco, que se rompera quatro dias antes, deixando 18 mortos e um desaparecido. “Eu mesma só não fiz um poço porque três casas aqui na rua fizeram”, afirma a costureira Marilia Gonçalves de Oliveira, de 58 anos.
Algumas vezes na semana, é possível vê-la atravessando a rua com um galão abastecido pela água do vizinho. “Uso para lavar a roupa e depois lavar o quintal. Para beber, a gente compra mesmo”, conta.
Moradora do bairro Santa Rita, na entrada da cidade, a costureira afirma que, ao longo do último ano, foram frequentes os cortes de água. “No começo, secou de vez. Depois, foi voltando.” O noticiário na semana retrasada, quando o Estado esteve em Valadares, era que um novo racionamento teria início.
A costureira conta que foram os moradores que passaram a procurar por empresas que instalam os poços. “É só um cano, que cavam bem fundo”, afirma. A água que vem dali não passa por nenhum controle de qualidade. Não se sabe nem sequer se é potável. “Não fizeram testes não. Por isso que não usamos nem para beber nem para cozinhar. Mas para o resto, usamos.” Por esse “resto”, entende-se a limpeza da louça e panelas usadas nas refeições.
Racionamento. A cidade passa por um racionamento programado que deve durar ao menos até o próximo dia 15. Segundo a prefeitura, o controle da distribuição de água não é reflexo da estiagem que atinge o município – a vegetação da paisagem ao redor está seca. “A medida tem como causa as obras de melhoria no tratamento da água, como parte do Plano de Emergência para o período chuvoso”, informa a administração.
“No momento, não conseguimos prever o nível de turbidez que o Rio Doce pode atingir no período chuvoso; por isso, a medida é uma forma de prevenção e de extrema importância para garantir a melhoria das condições de tratamento da água, tanto em qualidade, quanto em quantidade”, afirma a nota.
A cidade requisitou à Samarco o empréstimo de 20 caminhões-pipa para atender a população no período de obras. A mudança das estações de tratamento inclui a substituição dos módulos decantadores de lama, limpeza de desarenadores e a desassoreação dos pontos de captação, além de limpeza de equipamentos.
Rio. Há toda uma economia informal dependente do Rio Doce: lavadoras de roupa, coletores de areia e pescadores. Morando em favelas que se espalham pelas margens do rio, esses trabalhadores não poupam críticas à mineradora Samarco.
“Em certa época do ano, se você colocasse uma vara de pescar no Rio, já vinha fiscal em cima, polícia te multar. E agora? Olha o que está acontecendo aqui. Pescador profissional não pesca, ajudante não pesca, coletor de areia não consegue trabalhar, lavadeira não lava. Ninguém vai ser preso por isso não?”, questiona Valter Pereira Tavares, de 68 anos.
O pescador Marcelo Tomás Santos Barroso, de 47 anos, conta que até a navegação no rio está difícil. “Usamos como remo uma madeira, que encostamos no fundo do rio e empurramos o barco. A lama no fundo está tanta que, quando você encosta a madeira no fundo, ela fica presa. Você tem puxar de volta no lugar de empurrar. E quando ela vem, após encostar no fundo, dá para ver a água ficar mais vermelha ainda, da lama que estava no fundo”, diz.
“Aqui dava peixe de todo tipo. O povo nadava, fazia festa. Nossos filhos não vão ter nada disso”, conta o catador de areia Vanderli da Silva, de 40 anos. “A areia que a gente tirava está vermelha, grudenta. Não dá para usar em obra.” Pescadores e catadores recebem ajuda mensal da Samarco – salário mínimo mais 20% por dependente. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.