O Tribunal do Júri de Horizontina, no Rio Grande do Sul, condenou, na sexta-feira, 26, Alan Diego Heissler pelo feminicídio de Jaciele Daiane Silva dos Santos, de 22 anos. No julgamento, o irmão de Alan, Luís Felipe também foi considerado culpado por ocultação de cadáver. Os irmãos concretaram partes do corpo da jovem em uma churrasqueira.

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Segundo os autos, Alan, auxiliado por Luíz Felipe, teria planejado o assassinato da jovem por que ela se negava a reatar o relacionamento.

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O caso foi considerado como feminicídio, o homicídio cometido contra mulher por razões de sua condição do sexo feminino, ‘já que o fato estaria ligado à violência doméstica e familiar contra a mulher’.

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Alan e Jaciele tiveram uma união estável por cinco anos e se separaram em junho de 2014. No período da separação, medidas protetivas foram deferidas em favor da jovem por conta de agressões praticadas pelo namorado.

Antes do crime e também da audiência que apuraria a denúncia de violência doméstica, Alan teria ameaçado Jaciele por ‘mal injusto e grave’, com o objetivo de que a ex-namorada não colaborasse com o processo.

No dia 5 de outubro, Jaciele foi até a casa de Alan, que tinha lhe prometido um notebook. Na época, mesmo com as medidas protetivas os dois se encontravam.

Segundo a acusação, os irmãos mataram Jaciele com um tiro na cabeça, cortaram o corpo da jovem em pedaços e o queimaram. Pedaços do cadáver foram ainda colocados na parte inferior da churrasqueira situada na residência dos irmãos, que fecharam o espaço com tijolos e argamassa.

Os restos do corpo da vítima só foram encontrados 18 dias depois, quando policiais civis cumpriam mandados de busca e apreensão na casa dos irmãos. Os agentes perceberam que uma parte da churrasqueira não tinha azulejos e então abriram uma fresta no concreto.

Alan foi condenado a 22 anos e seis meses de reclusão em regime inicial fechado, por homicídio qualificado por motivo torpe, mediante simulação e feminicídio, além de ocultação de cadáver. O ex-companheiro de Jaciele já está preso preventivamente.

Para o irmão, Luís Felipe, o juiz Danilo José Schneider Júnior determinou 2 anos, 6 meses e 10 dias de prisão. A pena foi substituída por Prestação de Serviços à Comunidade e o pagamento de dois salários mínimos que será revertido em favor da conta de penas alternativas da Comarca de Horizontina.

O fenômeno do feminicídio

Segundo o estudo Raio-X do Feminicídio, publicado pelo Ministério Público de São Paulo em 2018, ‘instrumentos domésticos’ como facas, ferramentas, materiais de construção ou as próprias mãos são os mais utilizados em casos de feminicídios.

É o caso da tentativa de feminicídio que foi julgada pelo Tribunal do Júri de Santa Rosa do Sul, em Santa Catarina, na última quarta, 24. Em setembro de 2018, o acusado foi até o trabalho da da ex-companheira, em Praia Grande, município localizado a 282 km de Florianópolis, e tentou matá-la com uma agulha de artesanato de 23 centímetros. O objeto atravessou o braço da mulher e chegou a atingir seu tronco. O homem foi condenado a oito anos e dois meses de prisão, em regime semiaberto.

Em agosto do mesmo ano, o homem teria dito que mataria a vítima caso a visse com outro homem. Além do feminicídio tentado, o Conselho de Sentença reconheceu a qualificadora de motivo fútil, pelo fato do homem não aceitar o término do relacionamento do casal.

A separação recente do casal ou pedido de rompimento e o ciúmes aparecem entre os ‘motivos’ mais frequentes dos crimes, aponta o estudo do Ministério Público de São Paulo.

A pesquisa também identificou a intensidade dos ataques às mulheres. Em 48% das 364 denúncias analisadas pelo Ministério Público, mais deferidos três ou mais golpes ou tiros contra as vítimas de feminicídio.

A violência excessiva nos casos de feminicídio tem relação com o ódio que se tem ao feminino e a posição da mulher, indica a juíza Teresa Cristina Cabral Santana, integrante da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder.

“O feminicídio é um crime de ódio. A mulher acaba sendo morta pela condição de ser mulher mesmo, porque há determinadas obrigações que são cultural e socialmente exigidas, mas que, no entendimento do agressor, não estão sendo cumpridas da maneira como deveriam”.

As condenações

Segundo o CNJ, ao longo de 2018, os tribunais estaduais movimentaram 4.461 casos de feminicídio, representando um aumento de 34% em relação a 2016 (3.339) quando esses crimes passaram a ser acompanhados pelo colegiado.

A juíza Teresa Cristina Cabral Santana destaca que, para os julgamentos desses casos, é importante que haja uma instrução do processo que compreenda a natureza do crime e as situações que são comuns ao mesmo, como o excesso de violência.

Segundo a magistrada, as provas tem que ser produzidas no contexto, com a perícia do local. Além disso, as testemunhas devem ouvidas assim que possível, assim como as vítimas de tentativas de feminicídio, antes que os vestígios acabem desaparecendo.

Teresa fala ainda sobre o conhecimento e qualificação das pessoas que lidam com os casos de feminicídio: “A gente precisa compreender o que é crime de ódio, praticado por conta da condição de ser mulher. É necessário olhar para a questão de gênero, entender porque ela acontece nesse cenário, observar qual a questão cultural que faz parte disso, pensar como o machismo interfere nesse tipo de percurso e refletir sobre a forma que se pode compreender esse tipo de conduta”.

Promulgada em março de 2015, a lei Lei 13.104 tipificou o feminicídio no Código Penal. Na norma o crime é descrito como cometido ‘contra a mulher por razões da condição de sexo feminino’, envolvendo ‘violência doméstica e familiar’ ou ‘menosprezo ou discriminação à condição de mulher’.

No julgamento, a interpretação dos casos que envolvem questões acesas à lei Maria da Penha são ‘um pouco mais fáceis’, avalia a juíza, por conta das hipóteses de de violência doméstica e familiar descritas na norma.

Os casos que envolvem a discriminação e menosprezo contam com a interpretação jurídica, o que segundo Teresa faz parte da dinâmica do direito. A magistrada afirma que nessas ocasiões, a jurisprudência e a doutrina, assim como convenções internacionais e a lei maria da penha, proporcionam a compreensão desse tipo de violência e de como ela é praticada em razão da condição do sexo feminino.

Teresa destaca ainda que é é preciso entender que homens e mulheres, a despeito de todas as diferenças, tem que ser tratados de maneira igual. “Sem educação não se consegue proporcionar a mudança necessária e a diminuição da violência”, diz a juíza