Rio – Quinta-feira passada, dia 28, 10h. Começa o julgamento de mais um processo de homicídio envolvendo traficantes na Baixada Fluminense. Menos de 15 minutos depois, o juiz é obrigado a suspender a audiência para substituir uma jurada que passa mal. Ela ouvia a leitura dos autos quando descobriu que é vizinha de rua dos acusados. Entrou em pânico. O medo dos jurados de serem reconhecidos por cúmplices e parentes de réus envolvidos com o tráfico ou grupos de extermínio é flagrante no dia-a-dia dos tribunais do júri do Rio. E vem levando juízes, promotores e até jurados a discutirem mudanças na lei.
Muitos defendem a transferência para outros municípios ou para a capital do julgamento de casos mais graves, envolvendo grupos de extermínio ou quadrilhas de tráfico de drogas, para evitar que o medo possa influenciar na sentença. Uma preocupação que levou o juiz Luiz Felipe Negrão, da Comarca de Belford Roxo, a enviar à deputada Denise Frossard (PPS-RJ) uma proposta de projeto de lei, alterando o estatuto do desaforamento (que permite a transferência de um julgamento para outra comarca). O artigo 424 da Lei de Processo Penal admite a mudança de fórum nos casos em que houver riscos para a integridade do réu.
?É até uma visão romântica. Essa lei foi concebida na década de 40, quando não havia sequer a hipótese de ameaças a qualquer membro da Justiça, ainda mais por réus presos. Hoje a realidade é outra. Estamos julgando grupos de extermínio, policiais, quadrilhas de traficantes. E, dependendo do caso, o desaforamento é necessário para garantir segurança e isenção no julgamento do processo?, afirmou o juiz.
A jurada que passou mal na última quinta-feira explicou, ao deixar a sala de audiências, que na rua onde vive, quando acontece algum problema, não pode sequer chamar a polícia. Tem que pedir socorro ao tráfico. ?Assim que cheguei ao tribunal tive a impressão de que conhecia alguns dos acusados. Quando ouvi o juiz dar o nome da rua em que moro, senti o corpo gelar e a vista escureceu. Pedi para sair. Na outra quinta-feira, quando cheguei em casa após o julgamento, percebi que uma das testemunhas morava quase ao meu lado. Ainda bem que o réu foi absolvido.? De dez jurados de uma mesma comarca na Baixada Fluminense, cinco defenderam a mudança de fórum nos casos que envolvem grupos de extermínio ou traficantes reconhecidamente perigosos.
?Presta atenção no que está fazendo?
Rio de Janeiro – Com apenas três meses como jurada, a funcionária pública C. contou que no início chorava durante a audiência: ?No início foi horrível. Parentes dos réus e outros ficavam fazendo gestos para a gente, como quem diz ?presta atenção no que está fazendo?. Depois fui me acostumando. Há júris mais complicados, outros menos?, contou.
B., de 24 anos, é jurada desde o início do ano. Ela lembra que seu pai tentou proibi-la de participar: ?Meu pai não queria de jeito nenhum. Dizia que é muito perigoso. Mas agora estou realmente gostando. É importante para nossa comunidade. Eu tenho medo, mas acho que, se está provado que o réu é criminoso, tenho o dever de condená-lo?.
Fiscal do município, T. diz não ter medo. Mesmo assim defende o desaforamento em alguns casos de maior repercussão. Com dois anos fazendo júri na Baixada, T. lembra que no primeiro ano havia uma jurada que passava mal assim que ouvia a leitura dos autos: ?Quando ela via que se tratava de julgamento de policial ou grupo de extermínio, passava mal. O juiz acabou por dispensá-la?.
Contra
Responsável pela Comarca da Ilha, onde o tráfico comete a maior parte dos homicídios, o juiz Flávio Marcelo de Azevedo Horta Fernandes é contra a mudança. Para ele, a Justiça precisa estar perto da comunidade: ?Se nos mostrarmos atemorizados, a criminalidade aumenta. A Justiça não pode se encolher. Tem que estar presente na comunidade. Com a condenação de vários traficantes, os índices de criminalidade na Ilha vêm caindo?, afirma o magistrado.
Para resolver o problema do medo no júri, o juiz seleciona seus jurados entre militares da reserva e estudantes de direito: ?Os militares da reserva, além de maior experiência, são menos assombrados?, diz ele. A proposta do juiz Luiz Felipe Negrão será encaminhada na terça-feira ao presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, pela deputada Denise Frossard. A parlamentar afirmou que vai pedir regime de urgência para a votação. Ela pretende pedir inclusive apoio aos líderes da Casa: ?A mudança na lei é mais do que necessária. Hoje temos uma realidade totalmente diferente daquela época, com juízes, promotores e testemunhas ameaçados. Não há como julgar grupos de extermínio em comarcas onde ainda temos os reflexos do esquadrão da morte. Se juízes e promotores precisam de escolta, que isenção terão os jurados para julgar??.