“Ser chamado de bosta, dependendo da conotação, pode ser até um elogio”, escreveu o juiz Caio Márcio de Brito, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível e Criminal de Dourados (MS), ao absolver da denúncia de desacato e resistência um homem que xingou guardas municipais. O magistrado questionou a regularidade da autuação que ele sofreu e afirmou que a denúncia do Ministério Público Estadual representa ‘muita relevância para tão pouca coisa’.

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Segundo a denúncia, em outubro de 2019, o denunciado teria resistido a uma autuação por cometer irregularidades ao conduzir sua sua moto. Ao ser abordado pelos guardas municipais, chamou-os de ‘bosta’.

De acordo com o juiz, ele ‘foi interrogado, pelo sistema de áudio e vídeo, ocasião em que confessou apenas a prática do crime de desacato, alegando que ficou “nervoso” pelo fato de estarem apreendendo seu veículo’.

O juiz lembrou que ‘ainda que o acusado, no dia dos fatos, estivesse conduzindo sua motocicleta de forma irregular, ou seja, sem a devida habilitação para conduzir veículos, a denúncia do Ministério Público abrangeu apenas os delitos de resistência e desacato’.

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E, desta denúncia, ele discordou. “Sob o entendimento deste magistrado, não só não existiriam provas aptas a condenar o acusado pelo delito de resistência, como ficou demonstrado, pelo depoimento dos policiais, que não houve resistência na abordagem”.

Ele explica que o crime de resistência só se configura quando o acusado se opõe ‘à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio’.

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“Esta é a definição do delito de resistência, o que evidente restou demonstrado que não ocorreu. E mais: é de se questionar a legalidade do ato que resultou na autuação do acusado, já que não haveria necessidade do uso de algemas para conte-lo, o que retira completamente materialidade da conduta narrada na denúncia”, escreve.

Já sobre desacato, o magistrado diz que ‘a conduta estaria materializada no fato de o acusado ter chamado os agentes públicos de “bosta”‘. “No entendimento deste magistrado, muita relevância para tão pouca coisa”.

“Pensar que o fato de ser chamado de “bosta” faz com que os que utilizam a farda de Guarda Municipal se sintam desacatados, é ter a certeza de que se sentem sem nenhuma relevância em relação às suas honradas funções, a ponto de entenderem que o simples pronunciamento da palavra “bosta” pudesse ser tão ofensivo”, anotou.

E, emendou. “Aliás, ser chamado de “bosta”, dependendo da conotação, pode até ser um elogio, sim, porque “bosta” pode ser visto como fertilizante, portanto, algo positivo. Pode ser visto como um objeto ou até um avião, quando se diz: esta “bosta” voa? Ou utilizado de forma coloquial, quando se diz, a vida está uma “bosta””.

“Em nenhum desses exemplos, pode ser traduzido como um desacato, como uma ofensa ao exercício da função. No caso sob análise, o próprio acusado reconheceu que realmente chamou os agentes públicos de “bosta”, todavia, sem se referir à instituição Guarda Municipal”, afirma o juiz.

Segundo o magistrado, ‘desta forma, se referidos agentes se sentiram tão ofendidos por terem sido comparados com “bosta”, caberia a eles, no ãmbito privado, ingressarem com queixa-crime contra o ofensor, imputando-lhe injúria’. “De modo que este magistrado está convencido de que a conduta do acusado não materializou o delito de desacato”.