A professora Kátia Lenerneier, de 38 anos, conseguiu, no dia 17, uma liminar determinando que a Clínica e Laboratório de Reprodução Humana e Andrologia (Androlab), de Curitiba, realize inseminação artificial com o sêmen congelado de seu marido, Roberto Jefferson Niels, de 33 anos, morto em fevereiro, vítima de câncer. O laboratório recusou-se a fazer a intervenção, pois no termo assinado quando da coleta não estava expressa a destinação do sêmen, conforme resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), de 1992, que trata da ética na utilização de técnicas de reprodução assistida.
Kátia disse que estava casada havia cinco anos e tentava engravidar, quando, em fevereiro do ano passado, foi diagnosticado um melanoma com metástase em Niels. Depois de submetido a cirurgia, a médica orientou a coletar sêmen caso o casal tivesse intenção de ter um filho, pois ele iniciaria a imunoterapia e corria o risco de ficar infértil. Em junho, quando Niels melhorou, ela começou o tratamento de fertilização artificial. “Mas a doença voltou, com metástase nos ossos e ele teve que ir para a quimioterapia, eu deixei o tratamento para engravidar e me dediquei a ele”, disse a professora. Niels morreu em fevereiro deste ano.
Quando ela tentou retomar o tratamento de inseminação para ter o filho do marido morto, foi surpreendida com a informação de que Niels precisaria ter dado uma orientação expressa para que ela pudesse fazer uso do sêmen. “O sêmen me pertence, posso fazer o que quiser, menos destinar para mim mesma”, afirmou. A professora procurou, então, a ajuda de médicos e advogados. “Conseguimos demonstrar, com declarações da família, de amigos, de médicos, que a vontade dele era ter um filho”, disse a advogada Dayana Dallabrida.
Foi o entendimento do juiz Alexandre Gomes Gonçalves, da 13ª Vara Cível de Curitiba. “Não parece, porém, que essa manifestação de vontade deva ser necessariamente escrita; deve ser, sim, inequívoca e manifestada em vida, mas sendo também admissível a vontade não expressada literalmente, mas indiscutível a partir da conduta do doador – como a do marido que preserva seu sêmen antes de submeter-se a tratamento de doença grave, que possa levá-lo à esterilidade e incentiva a esposa a prosseguir no tratamento”, disse na sentença.
Outro lado
O representante do Conselho Federal de Medicina (CFM) no Paraná, Gerson Zafalon Martins, discordou da decisão judicial. Segundo ele, entre os principais países, apenas a Inglaterra admite inseminação em caso semelhante, mas não garante os direitos sucessórios. Martins acentuou que a maior preocupação deveria ser com a “vulnerabilidade” da criança que nascer.
“Nós não sabemos como reagirá sabendo que o pai é morto”, ponderou. Em razão da situação nova, ele acredita que o assunto deve ser discutido no CFM. No caso da professora, Martins afirmou que o conselho só se pronunciará se o médico que for realizar o procedimento acioná-lo, visto que há decisão judicial.
Kátia disse já ter sido contatada pela clínica para realizar os exames prévios, prevendo-se fazer a primeira tentativa de inseminação em julho. Ela foi informada de que as possibilidades de a gestação ser levada adiante são de 20% a 30% em cada tentativa, mas mantém a esperança. “Vai ser a realização do nosso sonho de construir uma família”, afirmou. Caso a professora consiga ter o filho, a advogada Dayana Dallabrida já prevê novas discussões jurídicas, como a paternidade na documentação da criança e o direito de herança. “Agora a discussão é só sobre o direito à fertilização”, acentuou.