Aos 76 anos, João de Deus é um misto de líder religioso e controlador de Abadiânia (GO). Todo mês, cerca de 10 mil pessoas, 40% delas estrangeiras, vão à cidade, a 113 quilômetros de Brasília, em busca de cura ou conforto espiritual. Graças a esse movimento, ele é ao mesmo tempo respeitado e temido. “Claro que ninguém quer se indispor. Ele está sempre próximo, o melhor é cultivar boas relações”, diz um lojista, que há pouco tempo chegou a Abadiânia.
A ligação de João de Deus com o poder se expressa não só pelo temor nutrido por muitos dos habitantes, os “filhos de Abadiânia”. O líder espiritual também acompanha de perto a política local. Trabalha pela eleição de candidatos da sua preferência. Mas nem sempre com sucesso.
Na última disputa, o vencedor foi José Diniz (PSD), opositor do candidato abençoado pelo médium. “Já tivemos problemas, mas hoje a relação é respeitosa”, conta o prefeito.
João de Deus comemora com entusiasmo o aniversário, em junho. “Sempre atrai muitas pessoas conhecidas. Eu mesmo vou. Já encontrei lá ministros do Supremo Tribunal Federal, embaixadores, governadores”, diz o prefeito. Tudo é doado pelo comércio local – comida, shows e queima de fogos. “A Polícia Militar disse que este ano vieram 10 mil”, diz Francisco Lobo, um dos funcionários mais próximos do médium. Outra festa popular é o Natal para a crianças carentes. O médium financia a compra 8 mil brinquedos para distribuição.
Rituais
Embora respeitem, são poucos os “filhos de Abadiânia” que buscam socorro espiritual com ele. Uns dizem ter outra religião, outros afirmam que deixam para quando a necessidade apertar. A Casa Dom Inácio de Loyola, onde atende, é um conjunto amplo de construções, simples e bem cuidadas.
Ali funciona não só o centro de atendimento, mas há uma loja – onde são vendidas lembranças, pedras e fotos -, lanchonete e laboratório que produz cápsulas de passiflora, prescritas pelo médium. O tratamento, para dois meses, custa R$ 100. “Não é todo mundo que pode pagar”, comentou um lojista.
Muitos dos voluntários da casa são ex-pacientes. Como Luciana Souza, que chegou a Abadiânia há oito anos, com neuropatia. “Já estava prestes a tomar morfina. Praticamente não andava.” Segundo ela, foram meses de tratamento. “Agora quero ajudar, retribuir.”
Os atendimentos – de quarta a sexta, pelas manhãs e à tarde – são cheios de rituais, com mistura de símbolos católicos, pedras e imagens esotéricas. Após pegar uma ficha, as pessoas esperam orientação de voluntários, com recomendação de não cruzar braços ou pernas. O atendimento é feito em filas e os chamados são em português, inglês e até francês. A passagem pela área de atendimento é rápida. Quando o médium atende, fica sentado na cadeira de vime, ladeado de assessores, imagens de santos e pedras e cristais. É aí que ouve pedidos de fiéis e entrega um papel com rabisco – a receita para o remédio energizado.
Quando não está em transe, é tratado pelos voluntários como “Seu João”. Eles afirmam que o médium faz inúmeras obras de caridade, mas as conhecidas são o Natal das Crianças e a Casa da Sopa, que serve bolachas, com suco e café e uma sopa.
É escoltado o tempo todo. E o que levaria o médium a andar escoltado? Lobo afirma que isso é consequência de um assalto no centro há alguns anos. “Depois disso, várias câmeras de segurança foram instaladas.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.