Roberto Jefferson sentirá o gosto amargo da derrota por mais tempo. Na sua reestréia como advogado criminalista, ele viu ser inocentado o réu a quem acusava pelo assassinato de uma menina de 12 anos. Por 4 votos a 3, o júri absolveu, na madrugada de ontem, o fazendeiro Vilmar Taffarel. "Um resultado previsível", foram suas primeiras palavras após o veredicto. No fundo, o ex-deputado lutou como poucos pela vitória da sua causa, de seus clientes e da sua pessoal.
"Estou desempregado, preciso trabalhar". Com essa deixa, Jefferson entrou na manhã de sexta-feira na Câmara Municipal de Vera, cidade do norte de Mato Grosso. Era sua reestréia como advogado criminalista, 15 anos depois de seu último júri. Muito mais conhecido como político, função que exerceu por 23 anos em 6 mandatos consecutivos, ele tenta agora reconstruir a vida fora desse mundo. Há dois meses foi cassado por falta de decoro parlamentar.
Jefferson atuou como assistente de acusação da promotora Clarissa Cubis de Lima. Apesar de coadjuvante, roubou a cena várias vezes. Até os sete jurados pareciam mais atentos nas suas falas. Um deles, o empresário Rudi Reiner, não se acanhou. Pediu-lhe um autógrafo. "Ele é uma celebridade."
Solícito, o ex-deputado era a estrela do julgamento que durou mais de 22 horas. Posou para muitas fotos. Até parentes do réu usaram seus celulares com máquinas digitais. Fãs confessos do ex-deputado, a irmã do fazendeiro Taffarel, a ex-prefeita Isane Konerat, e seu marido, Arnon Mendes, mostravam-se contrariados pelo fato de Jefferson estar do outro lado. "A vinda dele movimentou o Estado todo. Vocês (jornalistas) não estariam aqui sem ele", disse Mendes.
Jefferson chegou numa cidade dividida e teve de escolher por um dos lados. A convite da família Alba e por intermédio do deputado Ricarte de Freitas (PTB-MT), topou participar da acusação sem cobrar honorários. O caso envolve a morte de Keyla Suele Alba, de 12 anos, em novembro de 2001.
O alvo do tiro era o pai da menina, o então vereador Augusto Alba (PPS), por causa das denúncias que ele fazia contra prefeita Isane (PSDB). Três pessoas, duas delas presas, admitiram o crime e inicialmente apontaram como mandante o fazendeiro Vilmar Taffarel. Depois voltaram atrás.
Para o ex-deputado, o convite foi a chance de retornar num caso de grande publicidade nacional. Uma espécie de terapia. "No início senti uma sensação de perda muito ácida. Primeiro a presidência do PTB, depois o mandato." A dor maior foi quando desmontou o apartamento funcional no qual viveu em Brasília por 20 anos. "Já estou recuperado, ou me recuperando."
O advogado Jefferson estava acompanhado por Teresa, sua assessora, e a mulher Ana Lúcia Novaes, a ex-enfermeira com quem casou há três anos. Fiel escudeira, Ana o incentivava com piscadelas, beijinhos e acenos. Nos intervalos, secava seu suor e ajeitava seu cabelo. Espalhadas pela sala, estagiárias de direito lançavam para o ex-deputado olhares e acenos gentis.
Jefferson não partiu para a briga. O que houve foram intensas trocas de acusações entre a promotora e o advogado. Ele chamava a colega de despeitada. Ela o rotulava de mentiroso. Jefferson, no seu canto, preferia teatralizar os gestos.
"Olha ali o dedo duro do Zé Dirceu", brincou um espectador. "É aquele que dizia: ‘Saí daí Zé, para não complicar o presidente’, lembra?" Jefferson, contudo, não inventou, nem recriou expressões já do folclore nacional, como "rato magro" (para se referir à cúpula do PT), "tirei a roupa do rei" (ao denunciar o ‘mensalão’) ou "proxenetas do parlamento" (petistas no governo).
Apesar do discurso de que queria evitar falar de política, o ex-deputado não desconversou num dos intervalos do julgamento. "Você já viu um macaquinho que vende em lojas de presente, um com uma mão no olho, outra na boca e depois nos ouvidos? O Lula é aquele macaquinho. Não vi, não ouvi e não falo." Os jornalistas riram.
Para agüentar o longo julgamento, que terminou às 5h30 de hoje, Jefferson se alimentou regularmente com barras de cereais. Também ingeriu sal, para que a pressão não caísse subitamente. No almoço, optou por salada de legumes e carne moída. Ele fez cirurgia de redução do estômago. Como bom paciente, ingere muita água, não bebe e, para sustentar seu corpo, alto e ainda pesado, faz séries de alongamentos e exercícios respiratórios.
Durante os debates finais, o ex-deputado tentou convencer os jurados pela empatia e um belo discurso pela união. Disse que cabia a eles o destino de Vera, condenar o réu e acabar com o ódio na cidade ou inocentá-lo e manter o município dividido em duas partes rivais. Após a derrota, confidenciou que se surpreendeu com a ineficiência de sua argumentação e da promotora.
O ex-deputado saiu derrotado, mas elogiado por quase todos. "Se não fosse promotora, me candidataria a ser uma assistente dele", confidenciou Clarissa. "Não há vencidos, prevaleceu a Justiça. Agora quero ele ao meu lado para colocar os verdadeiros assassinos na cadeia", disse o advogado de defesa Cláudio Alves Pereira.
"A presença dele, por se tratar de um profissional de renome e grande competência, foi importante para a acusação, mas acredito que saiu vitoriosa a tese alegada e não as pessoas", afirmou o juiz Wendel Karieli Guedes Simplício.
No dia 17, Jefferson participará de seu segundo julgamento, também como assistente de acusação. Trata-se do caso do assassinato do desembargador Irajá Pimentel, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, e da tentativa de homicídio de sua mulher Heloísa Helena Duarte Pimentel, em março de 2002. Ele já foi convidado para participar de outros dois casos.
