Dono de um Hyundai Creta 2017, o psicólogo João de Brito Marques Filho, 67, vai pagar R$ 2.800 de IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) neste ano, quase 22% acima dos R$ 2.300 pagos no ano passado. “O preço da gasolina está fora do normal e, agora, esse aumento no imposto. Estou realmente indignado”, afirma.

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Em meio a um cenário de escassez de veículos novos e de seminovos com preços inacessíveis à maioria da população, os carros usados –como são classificados os modelos com quatro anos ou mais de uso — foram os mais valorizados em 2021. Consequentemente, tiveram os maiores aumentos do imposto.

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Os preços dos modelos entre 2011 e 2017 subiram mais de 21%, em média, segundo levantamento da consultoria Cox Automotive com base nos dados da plataforma de avaliações KBB (Kelley Blue Book).

Seminovos (2018 a 2021) subiram 15%, enquanto os modelos de 2019 a 2022 que saíram das lojas ainda zero-quilômetro tiveram valorização de 8,29%.

As alíquotas do IPVA são aplicadas sobre o valor médio de venda. Em São Paulo, o cálculo feito sobre a estimativa da pesquisa realizada pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) resultou em uma elevação média de 21,99% para os automóveis.

O aumento é maior do que o rendimento de alguns dos melhores investimentos de 2021. A Nasdaq, a Bolsa americana que reúne empresas de tecnologia, subiu 21,39%, por exemplo.

A pandemia de Covid-19 é uma das explicações do problema. As paralisações adotadas para enfrentar o vírus e as mudanças de hábitos de consumo levaram a uma série de disrupções e distorções nas cadeias produtivas globais, com destaque para o fornecimento de semicondutores.

“A transformação de processos analógicos em digitais ocorre em diversas áreas. O setor automotivo vem passando por uma grande transformação, que é o o aumento da conectividade dos veículos, e isso demanda semicondutores”, diz Antônio Jorge Martins, coordenador dos cursos automotivos da FGV.

Perda de poder aquisitivo

Se por um lado faltaram carros zero-quilômetro, por outro, os modelos novos e seminovos disponíveis no mercado eram inacessíveis a uma população empobrecida durante a crise aprofundada pela pandemia, segundo Martins.

“A procura por carros mais antigos é também resultado da perda de poder aquisitivo da sociedade”, afirma. “A pandemia faz com que ocorra a perda do poder de compra e, para não pagar preços exorbitantes, o consumidor buscou os carros com menor preço”, diz.

Relatório da Fenauto (Federação Nacional das Associações dos Revendedores de Veículos Automotores), que representa lojistas de seminovos e usados, apontou 15,1 milhões de carros comercializados em 2021. O resultado é 17,8% superior ao verificado em 2020. Em relação a 2019, ano sem pandemia, as vendas do setor cresceram 3,5%.

Apesar do aquecimento do mercado, desequilíbrios na oferta também são prejudiciais ao setor, afirma o vice-presidente da Fenauto, José Everton Fernandes. “O desequilíbrio não é bom para quem vende, nem para quem compra. As revendas têm muita dificuldade para repor estoques e pagam caro por essa reposição, reduzindo suas margens de lucro”, diz.

A expectativa de normalização do mercado, porém, não deve surtir efeito sobre o IPVA do ano que vem, alerta Fernandes. Isso porque o imposto é calculado sobre o valor médio praticado pelo mercado no primeiro semestre. “Existe o risco do veículo perder valor no segundo semestre”, diz.

Martins, da FGV, destaca ainda que a demanda por semicondutores continuará em alta em diversos setores da economia, que avançam na digitalização, o que deve seguir afetando a oferta de carros.

“A expansão da capacidade produtiva de fabricantes de chips e semicondutores não acontece da noite para o dia porque demanda máquinas produzidas sob encomenda. Isso não está na prateleira de nenhum fabricante”, diz. “Os problemas da falta de semicondutores deverão se estender até o fim de 2022 e, também, 2023”.

Imposto pesa no orçamento

Para o servidor público Cláudio Romano, 55, que não pretende vender o seu Honda Fit 2014, a manutenção da valorização na casa dos 30% do veículo neste ano significa um aumento das despesas incompatível com seu orçamento doméstico. “O valor de venda subiu de R$ 36 mil para quase R$ 50 mil, o imposto é de R$ 2.000”, diz. “Faltou sensibilidade do governo [do Estado de São Paulo] para fazer a mudança temporária desse índice.”

Procurada, a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo informou que as alíquotas do imposto para veículos particulares permanecem as mesmas: 4% para carros de passeio; 2% para motocicletas e similares, caminhonetes cabine simples, micro-ônibus, ônibus e maquinário pesado; além de 1,5% para caminhões.

Para amenizar os efeitos da desorganização da economia sobre os preços, o governo paulista informou que estendeu o prazo de pagamento do IPVA, de três para cinco parcelas, começando em fevereiro.

Proprietários de veículos usados que quitarem o imposto antecipadamente, em cota única, em janeiro, terão desconto de 9%. Para os que pagarem o tributo integralmente em fevereiro, ou preferirem parcelar, a redução será de 5%.

Para os donos de veículos zero-quilômetro, vale o sistema antigo. “O desconto continua de 3% no pagamento até o quinto dia da emissão da nota fiscal, e os que preferirem também poderão parcelar em cinco vezes, sem desconto”, informou a secretaria.

Ano do modelo – variação em 2021*

ZERO KM – 8,29%

2022 – 16,87%
2021 – 6,52%
2020 – 2,99%
2019 – 3,48%

SEMINOVOS – 15,07%

2021 – 11,78%
2020 – 11,83%
2019 – 17,07%
2018 – 19,64%

USADOS – 21,01%

2017 – 20,23%
2016 – 18,20%
2015 – 20,70%
2014 – 20,46%
2013 – 22,12%
2012 – 21,69%
2011 – 22,91%

Fonte: Cox Automotive/KBB

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