Investigações policiais em diferentes Estados mostram que, por trás de megarroubos cometidos recentemente no País, estão criminosos especializados e reincidentes. A polícia tem se beneficiado do avanço das técnicas de investigação com auxílio de exames de DNA e bancos de impressões digitais para, com mais frequência, conseguir fazer ligações entre os casos e entender melhor a dinâmica dos grupos. Essa compreensão ajuda decisivamente no esclarecimento dos crimes e na punição dos responsáveis, contam investigadores.
Foi o uso dessas ferramentas que permitiu que a polícia chegasse a conexões, por exemplo, entre suspeitos de três grandes roubos cometidos no ano passado: o roubo de quase R$ 10 milhões no aeroporto de Blumenau, considerado o maior da história de Santa Catarina, o roubo de 770 quilos de ouro em Guarulhos, com valor estimado em R$ 117 milhões, e a tentativa de assalto no aeroporto de Viracopos, que terminou com três suspeitos mortos.
Os casos tiveram modo de atuação semelhante: invasão de aeroportos para roubo de carregamentos valiosos que seriam embarcados em aeronaves, em duas das três vezes com auxílio de falsas viaturas e, em duas das três vezes, com uso de ambulância e caminhão de lixo na fuga. Mais do que o modo de agir, a polícia acredita que suspeitos compartilham um passado de empreitadas criminosas em conjunto.
Antecedentes
É o caso de Marcelo Ferraz da Silva, o Capim, e Anderson Struziatto dos Santos. Capim foi preso na investigação do roubo do ouro em agosto de 2019, quando a polícia finalmente conseguiu coletar seu DNA e confrontar com vestígios encontrados em cenas de outros crimes. O material genético deu relação com vestígios achados na cena do ataque a carro-forte na Rodovia dos Tamoios, em 2017. Lá, já havia sido encontrada a digital de Struziatto.
“A constatação de que há conexão entre os casos é física e contextual. Conforme vamos investigando, os nomes vão se cruzando, são indivíduos que participam de dois, três casos”, diz o delegado Pedro Ivo Corrêa, do Departamento de Investigações Criminais (Deic), da Polícia Civil de São Paulo. “As provas periciais, como DNA e digital, têm fundamental importância. Em casos como esse, os criminosos não têm rosto, estão com touca, luva, máscaras. Não há testemunhas.”
Struziatto, um paulista de 31 anos, é suspeito reincidente em casos marcados pela violência. Uma busca policial em sua casa no ano passado coletou do sapato o DNA que a perícia precisava para confrontar com vestígios de outros crimes. Deu positivo com o material genético de uma touca ninja deixada para trás em um carro roubado usado no assalto à Prosegur em Santos, em abril de 2016 – crime pelo qual agora responde à Justiça. Dois policiais foram mortos durante o assalto.
“O denunciado integra organização criminosa que emprega extrema violência. Ataques semelhantes já foram realizados no Estado de São Paulo, após o crime tratado nesta denúncia. É preciso buscar a garantia da ordem retirando das ruas agentes com tal perfil violento”, escreveu, no documento apresentado à Justiça em junho de 2019, o promotor Rogério Pereira da Luz Ferreira, de Santos. Struziatto foi preso em Caruaru, Pernambuco, em novembro do ano passado, e transferido para São Paulo.
Em breve, ele deverá responder também pelo assalto ao aeroporto de Blumenau, onde passou a figurar como suspeito. A polícia acredita que ele e comparsas entraram no local, em março de 2019, munidos de uma metralhadora .50, além de fuzis AK-47, e abriram fogo contra o carro-forte que abasteceria um avião. Os tiros furaram a blindagem do carro e dois vigilantes ficaram feridos. Um disparo também quebrou a porta de vidro de uma empresa próxima e matou a funcionária Edivânia Oliveira, de 22 anos.
“Na Região Sul, não havia nenhum precedente para o que aconteceu, não somente em relação ao valor roubado, mas também pelo grau da violência empregada. Por causa disso, já suspeitávamos que era gente de fora”, diz o delegado Anselmo Cruz, da Diretoria de Investigações Criminais de Santa Catarina, que passou a trabalhar em conjunto com o Deic de São Paulo para chegar a suspeitos do ataque. A primeira parte da investigação indiciou oito suspeitos e a apuração continua ocorrendo para identificação de outros envolvidos.
Bandido perigoso
O bando, que fugiu com R$ 9,8 milhões de Blumenau, também era composto por Davi Marques dos Santos. Foi uma prova pericial que o ligou ao crime, mas ele ainda não foi localizado. Resgatado em 2014 de uma penitenciária em Franco da Rocha, Santos é considerado um dos criminosos mais perigosos do País e foi incluído recentemente na lista de mais procurados elaborada pelo Ministério da Justiça, que o tem como suspeito também do ataque à Prosegur de Ciudad del Este, no Paraguai, em 2017 – foram roubados de lá cerca de US$ 40 milhões (o equivalente a R$ 174 milhões).
A lista de crimes imputada a Davi ainda inclui roubos a bancos e lotéricas no interior de Pernambuco e Bahia. A Operação Novo Cangaço, de 2011, considerava ele e o irmão, Daniel Marques dos Santos, suspeitos de uma série de roubos na região. Ambos foram processados e condenados no ano seguinte. A constatação, em outubro de 2019, de que Daniel era um dos três mortos pela polícia após confronto decorrente de uma tentativa de assalto no aeroporto de Viracopos, em Campinas, trouxe a certeza de que a família não se afastou da vida criminosa.
A reportagem não conseguiu contato com os advogados de Struziatto e Silva e não identificou o responsável pela defesa de Santos. A Polícia Federal de São Paulo não respondeu aos questionamentos sobre o andamento da investigação relativa ao assalto em Viracopos.
Organização
As investigações mostram as conexões, mas isso não significa que o grupo se organize como quadrilha única, com estrutura hierárquica definida e atuação sempre em conjunto, ponderam os policiais. Para o delegado Pedro Ivo Corrêa, do Deic, os criminosos adaptaram seu modo de atuação. “O conceito de organização criminosa está mudando, está evoluindo. Não é mais quadrilha com ordens de um chefe supremo, enquanto outros obedecem. As organizações se unem nas empreitadas a partir da divisão de tarefas e atuam com comunicação e constante movimento.”
Os roubos obedecem o planejamento definido a partir da obtenção de uma informação privilegiada, por exemplo. O plano inclui ainda uma fase logística, de obtenção de carros e casas, e a preparação para o roubo em si. “Há o ‘dono do serviço’ e ele monta o time dele para atuar naquele crime. Não são pessoas que saem roubando toda hora. A partir da informação privilegiada, passam a operar para preparar determinado roubo”, diz Corrêa. Para ele, a polícia vem conseguindo acompanhar a evolução dos grupos e hoje consegue dar respostas por meio da identificação, indiciamento e responsabilização judicial.
O cientista político e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Guaracy Mingardi destaca a capacidade de esses grupos multiplicarem conhecimento criminoso entre eles. “Nem todo mundo está em todos os casos. Depois do primeiro, no próximo roubo outros já sabem como se portar e o que fazer. Eles aprenderam e vão dar sequência e outros vão continuar aprendendo.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.