A estatal federal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), responsável pela exploração de uma mina de urânio no município de Caetité, na Bahia, foi multada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em R$ 50,5 mil, por ter omitido do órgão de fiscalização laudos técnicos que comprovavam a contaminação de um poço em área próxima da usina.
Segundo o Ibama, o valor estipulado para a multa se baseia em uma equação que considera a motivação da infração, seu impacto sobre o meio ambiente, a consequência para a saúde pública e o porte da empresa. A área técnica do órgão conclui que a empresa é culpada pela infração, já que omitiu dados, mas atestou que não foi possível comprovar uma ligação direta entre a contaminação da água e a operação da empresa na extração do urânio. As possíveis consequências sobre a saúde pública da família que vive na propriedade também foram desconsideradas, apesar de a reportagem ter confirmado, à época, que o poço era utilizado no consumo diário de água.
A autuação oficializada no dia 3 de março soma-se a outras oito multas que o Ibama já aplicou sobre a INB, por causa de irregularidades envolvendo omissão de informações e acidentes com material químico. A estatal ligada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação opera a única mina de urânio em atividade na América Latina. A infração baseou-se em uma série de reportagens publicada pelo jornal “O Estado de S. Paulo” a partir de agosto do ano passado.
Em outubro de 2014, a INB realizou uma primeira inspeção no poço de uma propriedade privada e identificou uma quantidade do minério tóxico mais de quatro vezes acima do limite permitido para consumo humano. O achado, porém, não foi comunicado aos órgãos estaduais e federais responsáveis, tampouco à prefeitura do município. Uma segunda checagem só seria foi feita pela INB em março de 2015, sete meses depois, quando a empresa encontrou um índice de urânio mais de três vezes acima do limite determinado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Novamente, porém, não houve comunicação sobre o caso. Em vez disso, a estatal divulgou um informe público para garantir que não havia encontrado nenhuma irregularidade em todas as inspeções de água feitas ao longo do ano.
Os dois laudos só foram chegar à prefeitura de Lagoa Real no fim de maio de 2015, conforme revelou o jornal. Foi quando a gestão municipal tratou de ir até o proprietário do poço contaminado e comunicá-lo que este não deveria consumir aquela água. Ainda assim, nada chegou a ser informado aos governos federal e ao Estado da Bahia.
Por causa da denúncia, o governo da Bahia prometeu instalar um programa de monitoramento permanente de água na região. Em janeiro deste ano, 19 poços passaram por testes de água realizados pelo Centro de Pesquisas e Desenvolvimento (Ceped), a pedido do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema). Os dados revelaram que pelo menos mais três poços da região estão com nível de urânio acima do limite, portanto são impróprios para o consumo humano. O secretário de Meio Ambiente do governo da Bahia, Eugenio Spengler, disse ao jornal que os novos pontos de contaminação serão fechados.
O governo baiano anunciou ainda a construção de uma unidade de tratamento de câncer na região. No ano passado, em entrevista ao jornal, a diretora da atenção especializada da Secretária de Saúde, Alcina Romero, afirmou que, ainda em 2012, dados já apontavam que havia um volume de pessoas com a doença superior à média de toda Bahia. “Essa região apresenta um número de novos casos de câncer superior ao número de casos de todo o Estado”, disse Alcina, que é responsável pela gestão de todas as unidades de tratamento de câncer em operação na Bahia. “Há uma prevalência. O câncer tem um comportamento diferente nesta região.”
A INB sempre negou haver qualquer tipo de contaminação na região, seja por meio natural ou em decorrência de suas atividades. A empresa sempre garantiu que, apesar de haver presença de material radioativo na água da região, esta sempre ficou abaixo do limite aceito pelos órgãos de controle. Das nove multas que recebeu do Ibama, a estatal pagou até hoje apenas duas infrações, que totalizam R$ 52 mil. Cinco punições – que incluem casos de vazamento e somam cerca de R$ 2 milhões – ainda estão em fase de recurso e julgamento. Outras duas multas, a preços atuais chegam a cerca de R$ 3,2 milhões, já transitaram em julgado, mas não foram pagas pela empresa.
Em razão disso, o Ibama enviou os dados da INB para o Cadastro Informativo de créditos não quitados do setor público federal (Cadin), o que impede a estatal de tomar financiamentos.