No Brasil, a suspensão das aulas presenciais já se aproxima dos sete meses, e grande parte das escolas do país deve permanecer mais tempo sem atividades. Com exceção do Amazonas – primeiro estado a retomar as aulas presenciais após a quarentena – e de alguns outros estados, como São Paulo e Rio Grande do Sul, que já deram início ao retorno gradual, a maioria das unidades federativas segue sem previsão de retorno ou em meio a reviravoltas judiciais que ora autorizam, ora proíbem a retomada.
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Embora sejam exceções, há casos pontuais de escolas particulares que conseguiram autorização na Justiça para poder retomar as atividades. Mas, no sistema público de ensino, esse retorno deve demorar mais. As aulas presenciais nas escolas estaduais do Rio Grande do Norte e nas instituições distritais do Distrito Federal, por exemplo, só retornarão em 2021. Já no Acre, tanto escolas particulares quanto públicas não retornarão neste ano.
O tempo prolongado sem aulas presenciais é responsável por inúmeras consequências socioeconômicas, desde o impacto direto na aprendizagem de alunos que não se adaptaram ao ensino remoto ou que não dispõem de internet de qualidade e dispositivos como notebooks ou celulares para ter acesso às aulas, até a evasão escolar. Outras consequências são a sobrecarga das redes públicas de ensino decorrente da migração em massa de estudantes de escolas particulares para instituições estaduais e municipais e, com isso, a falência de escolas privadas, o que gera a demissão de profissionais de educação.
Veja abaixo o desdobramento dos principais impactos socioeconômicos em consequência da interrupção prolongada das aulas presenciais nas escolas brasileiras.
1. Impactos diretos na aprendizagem pela falta de aulas presenciais
O Brasil tem 48 milhões de estudantes somando o ensino infantil, fundamental e médio, de acordo com o Censo Escolar de 2019. Com quase um quarto da população do país em idade escolar, as consequências da suspensão das aulas atingem não somente as crianças e adolescentes de forma individual como também o desenvolvimento do país como um todo.
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De acordo com um relatório divulgado pela OCDE no dia 8 de setembro, que trata dos impactos da pandemia na educação, há estimativa de queda de 1,5% no PIB mundial até o fim do século como consequência da interrupção das aulas. O documento aponta que o impacto será ainda maior em países que prolongarem o período de aulas suspensas, como é o caso do Brasil.
Enquanto o mesmo estudo verificou que os países que integram a OCDE haviam mantido as atividades escolares suspensas durante 14 semanas, as escolas brasileiras que ainda não retomaram as atividades completaram, na primeira semana de outubro, 30 semanas sem aulas presenciais.
De acordo com Cláudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV, o período sem aulas acentua a crise de aprendizagem que já era realidade no Brasil antes da pandemia. “Apesar de alguns pequenos avanços, antes da pandemia já passávamos por uma crise de aprendizagem com os estudantes brasileiros entre os 20 piores países no desempenho do PISA [Programa Internacional de Avaliação de Alunos]. Imagine o quanto isso é aprofundado com os alunos sete meses longe das escolas”, observa.
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Para explicar as perdas na aprendizagem, o professor da Escola de Ciências da Saúde da PUCRS e pesquisador do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (InsCer), Augusto Buchweitz, cita o chamado Summer Slide, a perda de aprendizado, estimada em 20% a 30%, que as crianças sofrem durante as férias de verão. Essa perda, observa Buchweitz, é mais acentuada nas crianças de classes mais baixas.
“Aqui no Brasil temos muito mais do que um Summer Slide, porque a pandemia começou quando as aulas ainda estavam retornando. Alguns alunos tiveram poucas semanas de aula e as aulas pararam. É a soma das perdas com as férias do verão mais as perdas com o tempo de pandemia”, ressalta o pesquisador.
Buchweitz lembra que o prejuízo ao aprendizado é ainda mais proeminente em crianças em idade de alfabetização. “Alunos que estavam iniciando o primeiro ano do ensino fundamental iriam iniciar o processo de alfabetização, já que muitas escolas do Brasil não trabalham o letramento na pré-escola. Elas terão esse processo atrasado em um ano”, afirma.
O professor também explica que esse atraso pode impactar no desenvolvimento de habilidades fundamentais. “A probabilidade de sucesso na formação de um leitor, por exemplo, se torna maior quanto mais cedo esse processo começa. Quanto mais tarde, maior é a probabilidade de fracassar”, reforça.
2. Aumento dos níveis de desigualdade social
Os impactos na aprendizagem também são responsáveis por aumentar os índices de desigualdade social, já que alunos mais pobres têm mais dificuldades para acompanhar os conteúdos das aulas remotas – o que pode gerar uma série de complicações futuras ao longo da vida desses estudantes.
“Numa família mais rica tem internet, tem espaço, tem ajuda dos pais que estão trabalhando em casa. Em famílias pobres, a casa normalmente está lotada, tem pouco espaço, não tem internet e os pais precisam sair de casa para trabalhar”, aponta Naercio Menezes Filho, professor titular de Economia do Insper.
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Claudia Costin reforça elementos que prejudicam a qualidade do aprendizado dos alunos de camadas mais pobres. “Enquanto em algumas casas há livros e computadores – e até um equipamento por criança -, em outras as condições são inadequadas, sem conectividade e com os pais tendo repertório cultural muito mais restrito”, afirma. “Há, ainda, os casos de jovens que passaram a trabalhar durante a pandemia. Tudo isso pode destruir as chances de futuro desses jovens”.
3. Sem aulas presenciais, aumenta a evasão escolar
Na pesquisa “Juventudes e a pandemia do coronavírus” (junho/2020), realizada pelo Conselho Nacional da Juventude (Conjuve) em parceria com outras entidades incluindo a Unesco, concluiu-se que 28% dos estudantes brasileiros consideram não retornar à escola quando acabar o distanciamento social e 49% cogitam desistir do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
De acordo com o estudo “Consequências da Violação do Direito à Educação”, elaborado pelo Insper, que analisa os efeitos da evasão escolar, a formação incompleta decorrente da evasão escolar se traduzirá em salários mais baixos, pior qualidade de vida e maior exposição à violência, além de prejudicar a coletividade e o crescimento do país, já que esses jovens vão contribuir menos para a produtividade econômica. O estudo estima que 575 mil jovens deixarão de concluir os estudos em 2020. Sem terminar a educação básica, o relatório do Insper aponta que cada um deles deixe de ganhar, em média, R$ 372 mil ao longo da sua vida.
“Com a interrupção das aulas diminuiu o aprendizado das crianças. Muitas delas não estão conseguindo fazer as atividades online e os deveres de casa. Isso pode fazer com que elas repitam de ano mais à frente e também pode levar à evasão escolar quando chegarem no ensino médio”, insiste Menezes Filho. Segundo ele, a maior parte dos alunos que vão deixar a escola são mais velhos e já registravam baixo aprendizado.
4. Sobrecarga das redes públicas de ensino
As consequências econômicas da pandemia, como aumento do desemprego e redução de renda, fizeram com que muitas famílias retirassem seus filhos de escolas particulares e os matriculassem em escolas públicas.
Apesar de o cenário dessa migração ainda ser desconhecido em âmbito nacional – já que as redes estaduais ainda estão coletando os dados de entrada de estudantes na rede pública -, alguns estados divulgaram números dessas transferências.
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No estado de São Paulo, entre abril e julho, 9.500 estudantes migraram de escolas particulares para a rede pública de ensino. O número representa um aumento de 70% se comparado ao mesmo período do ano passado.
Já no Paraná, o aumento entre maio e julho chega a 88,2%. Enquanto entre março e maio a transferência de estudantes da rede particular para a pública atingiu 7.763 alunos, em julho esse número havia subido para 13.179 estudantes, segundo dados da Secretaria de Educação do estado.
Um crescimento nas migrações pode gerar impactos nas próprias redes estaduais e municipais, já que cada estado distribui seus recursos de acordo com o número de estudantes que estão matriculados em sua rede. Essa regra é estabelecida segundo dados do Censo Escolar do ano anterior e gera um valor médio por aluno a ser gasto pelo poder público.
Ou seja, quanto mais alunos foram transferidos para o ensino público, mais estudantes dividirão a mesma quantidade de recursos. E isso pode comprometer ainda mais a qualidade da educação, especialmente em municípios com condições precárias em suas redes públicas de ensino.
5. Desemprego
O Brasil possui 1,7 milhão de pessoas empregadas na rede privada de ensino, segundo a Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep). Desses, 800 mil são professores – 75% dele lecionam na educação básica.
Ainda em junho, a União pelas Escolas Particulares de Pequeno e Médio Porte divulgou um levantamento feito com 400 escolas particulares em 83 cidades brasileiras e mostrou que aproximadamente 50% delas podem sofrer colapso financeiro até o fim deste ano.
“O impacto maior foi na educação infantil. Temos estimativa de 3 a 4 mil escolas que já fecharam ou estão prestes a fechar. São empresas pequenas, muitas vezes já vinham em dificuldades, e, com o cancelamento em massa de matrículas na faixa de 0 a 3 anos, a situação de algumas ficou inviável”, afirma Ademar Batista Pereira, presidente da Fenep.
Pereira explica que a situação pode se agravar nos próximos meses, já que algumas instituições ainda não tinham demitido funcionários, graças à medida do governo que permitiu a suspensão temporária dos contratos de trabalho. Mas, com o encerramento dos auxílios, muitas instituições não poderão manter todo o quadro de colaboradores.
Perspectivas para 2021
Com relação a 2021, os especialistas consultados pela Gazeta do Povo entendem que será um período bastante desafiador. Os professores terão de trabalhar com as perdas cognitivas por parte dos alunos e com a necessidade de recuperar o aprendizado deles.
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“Para o ano que vem é preciso haver um processo de recuperação do aprendizado. Na prática, as crianças terão que fazer dois anos em um. É preciso um esforço concentrado em todas as séries para recuperar o que foi perdido em aulas no contraturno e aproveitando também do sistema online”, observa Naercio.
Claudia Costin afirma que, apesar de o cenário ser desafiador, o período prolongado de aulas suspensas e a consequente adaptação ao ensino remoto, bem como outras adaptações, tendem a gerar oportunidades de inovação e melhora no processo de aprendizagem. “Todo período de crise na história da humanidade é também um período de quebra de paradigmas, de inovação e de aprendizado”, observa a especialista.
”Aprendemos a lidar com outras formas de ensinar para além da aula direta presencial e muitos professores se reinventaram. Alguns avanços tinham se construído na qualidade da educação antes da pandemia. Vamos ter que reconhecer essa queda, arregaçar as mangas e incorporar todas as aprendizagens que tivemos nesse período”, salienta.