A inflação já vinha dando dor de cabeça para os consumidores. Nos 12 meses encerrados em janeiro, o IPCA-15, prévia da inflação, fechou em 10,76%, segundo o IBGE. E vai dar mais complicação após a invasão da Ucrânia por parte da Rússia, iniciada na quinta-feira (24).

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A guerra na Ucrânia pegou o mundo em um momento desfavorável do ponto de vista econômico, diz Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos: “Há uma pressão inflacionária do lado da demanda, a disrupção nas cadeias produtivas permanece e as commodities estão subindo”.

Um dos principais impactos deve vir do lado das commodities. Tanto as energéticas quanto as agrícolas devem ficar mais pressionadas. A Rússia é o terceiro maior produtor mundial de petróleo e o segundo de gás natural, fornecendo quase 40% do insumo consumido pela Europa. Nos grãos, a Rússia é o maior exportador de trigo do mundo e a Ucrânia, o quarto, além de ser o terceiro maior vendedor de milho.

Segundo as economistas Fernanda Mansano e Lorena Dourado, será visível uma redução na oferta de diversas commodities, exercendo pressão adicional e contínua sobre os preços.

“Agora, com a invasão da Rússia à Ucrânia, mercados precificam um cenário de estagflação – ou seja, uma inflação mais acelerada acompanhada de uma redução do ritmo de atividade econômica”, complementam os analistas da XP.

Guerra na Ucrânia pressiona petróleo e combustíveis

Segundo André Vidal, analista de óleo e gás da XP, o mercado do petróleo estava apertado, com estoques em baixa e demanda em alta. Com a escalada do conflito entre Rússia e Ucrânia, haverá uma pressão de alta nos preços.

“O que pode ajudar é um acordo nuclear com o Irã, pois essa oferta extra pode dar um alívio momentâneo aos preços, assim como o uso de reservas estratégicas por parte dos Estados Unidos”, diz Vidal.

Mesmo assim, o cenário cria pressão sobre os preços dos combustíveis no Brasil. Vidal afirma que a Petrobras não vinha reajustando imediatamente os preços porque um dos fatores atenuantes era a valorização do real. Mas, mais cedo ou mais tarde, a estatal terá de promover aumento no preço da gasolina e do diesel por implicações estatutárias.

“Ainda vemos o estatuto social da Petrobras protegendo a empresa de subsidiar os combustíveis, como no passado, sendo o repasse da escalada no preço do Brent [tipo de petróleo] uma questão de tempo”, avalia.

Leopoldo Vieira, analista político da plataforma para investidores TC, lembra que a alta do petróleo também influencia no preço dos transportes e dos alimentos, dois temas que são muito relevantes nos orçamentos das classes baixa e média.

Como o agronegócio e os preços de alimentos podem reagir à guerra na Ucrânia

O analista de agro e alimentos da XP, Leonardo Alencar, aponta que o conflito chega em um momento sensível para o campo: “Tivemos quebra de produção no Sul do Brasil, anos seguidos de clima adverso limitando o aumento da oferta para a maioria dos produtos”.

Rússia e Ucrânia respondem por 17% das exportações mundiais de milho e 28% das de trigo. Empresas alimentícias, que dependem da importação de trigo, poderão ser mais afetadas. O Brasil produz pouco mais de 60% do trigo que consome; o restante tem de ser importado.

Outro fator que pode impactar o agronegócio é a importação de fertilizantes. Os preços já estão subindo devido a risco de oferta e à pressão de custos. “Isso pode limitar a tecnologia no campo”, destaca Alencar.

Pedro Serra, gerente de research da Ativa Investimentos, afirma que o preço dos fertilizantes é sempre algo a ser monitorado e atualmente constitui em risco de médio prazo para as empresas do agronegócio listadas na B3, a Bolsa brasileira.

“No entanto, vale lembrar que a volatilidade dos fertilizantes não costuma ter efeito de curto prazo no resultado dessas empresas, uma vez que elas costumam fazer a compra desses produtos com bastante antecedência”, diz. Impactos maiores poderão acontecer caso a situação não se resolva até o fim do ano.

Guerra na Ucrânia terá impactos macroeconômicos, mas Brasil pode sofrer menos

Megale, economista-chefe da XP, não acredita que a meta da inflação para este ano, que é de 3,5% com tolerância de 1,5 ponto percentual, vá ser alcançada. É o segundo ano seguido que isso deve ocorrer. “A convergência ficou para mais adiante”, avalia. A mediana das projeções de inflação para 2022, segundo o relatório Focus, do Banco Central, está em 5,56%, já fora da meta.

Esse choque pode obrigar o Banco Central a manter a taxa básica de juro elevada por mais tempo, o que pode afetar ainda mais a atividade econômica. O ponto médio das expectativas das instituições financeiras para a variação do PIB em 2022 é apenas 0,3%, segundo o Focus.

Uma incógnita é o comportamento do câmbio, que vinha se valorizando frente ao dólar. Segundo Megale, o real vinha se beneficiando do alto preço das commodities e do fluxo de capitais para países emergentes. E, em um ambiente de maior tensão, os investidores tendem a direcionar os recursos para ativos mais seguros, como títulos do governo americano ou da União Europeia, ou mesmo para o ouro, que desde o início do mês se valorizou em 20%.

A expectativa é de muita volatilidade no câmbio. “Não vai ser nem R$ 4,50, como indicam os fundamentos, nem R$ 5,50, como estava”, afirma Megale.

A XP acredita que o Brasil deve sofrer menos por ser um grande produtor de commodities. A corretora também avalia que o Brasil pode se beneficiar de um fluxo positivo de investidores diminuindo exposição à Rússia, que tem como característica comum ser um mercado emergente com muito foco em commodities. “O Brasil continua a ser um mercado líquido e robusto”, diz o economista.

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