As duas facções criminosas responsáveis pela onda de violência nas cadeias do Maranhão também deixam vítimas do lado de fora das cadeias – e desde muito antes dos ataques vistos na semana passada. É o que mostram inquéritos policiais obtidos pela reportagem. Bonde dos 40 e Primeiro Comando do Maranhão (PCM) travam desde 2009 uma guerra por pontos de drogas, aterrorizando os bairros onde se instalam. Para intimidar, jogam cabeças de vítimas na área dos rivais e já fizeram até um funk.
A investigação é conduzida pelo delegado Valter Vanderley, responsável pela prisão de mais de 50 integrantes desses grupos. Ameaçado pelas facções, ele conta que os bandidos matam os inimigos para assumir seus pontos de tráfico.
Só no bairro Anjo da Guarda, onde atua o delegado, foram pelo menos dez homicídios e sete tentativas em 2013. No inquérito, os apelidos se repetem, mostrando como se dá a guerra. Por exemplo, em 12 de fevereiro, Wanderson Oliveira, ligado a Jairo Reis Gomes, o Pixirico, do Bonde dos 40, executou em uma feira Ney Santos, do PCM. Em 26 de maio, veio o troco: Valdeci Leite, um dos seguranças do ponto de drogas de Pixirico, foi executado por Raimundo Pereira, o Pixilau, ligado ao PCM.
O PCM surgiu após o contato de presos maranhenses com integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) detidos naquele Estado. De acordo com Vanderley, um dos mais violentos do grupo é Josué dos Santos Silva, o Gaspar, suspeito de executar ou mandar matar mais de 40 pessoas. Atualmente, está em um presídio federal de Mato Grosso do Sul. “Ele é homicida, ladrão, traficante e assaltante. Fez um assalto em uma transportadora que deixou um prejuízo de mais de R$ 300 mil”, diz Vanderley. Outro líder da facção é Moisés Magno Rodrigues, o Saddam, apontado como mandante de rebelião que teve seis mortos (quatro decapitados), em 2011. Ele também está em presídio federal, em Rondônia.
Ônibus queimado
Hoje, nas contas da polícia, o Bonde dos 40, que surgiu no Maranhão, está levando a melhor na guerra das facções. Um dos principais líderes do grupo foi preso no Pará, na semana passada. Filho de um policial militar, Alan Kardec Dias Mota, o Alex, responde por pelo menos três homicídios e duas tentativas de assassinato. Ele é suspeito de ter ordenado os ataques a ônibus que acabaram matando a menina Ana Clara de Sousa, de 6 anos, com 95% do corpo queimado.
Integrantes do Bonde dos 40 chegaram a pagar um músico para fazer um funk para intimidar a facção rival. “Esse é bonde periculoso, não corre, p… não treme, está aberta a temporada de caça aos PCM”, diz a letra.
Cada uma das facções usa grupos menores para marcar seu poder nos bairros. “Eles seguem descentralização territorial. No bairro do Anjo da Guarda tem o Mensageiro do Inferno, ligado ao Pixirico, que é do Bonde dos 40. No mesmo bairro tem o Grupo da Proab, ligado ao PCM”, afirma o delegado.
Não é apenas com integrantes das facções que as quadrilhas são cruéis. Em 2009, a irmã grávida de um viciado tentou resgatar uma máquina fotográfica que havia sido trocada por drogas. O traficante entregou a máquina, mas disse: “Você não vai ficar com ela.” Uma semana depois, a jovem foi baleada, perdeu o bebê e ficou paraplégica.
Para Vanderley, a impunidade fortalece as facções. “O combate deveria ter começado assim que estavam se formando, quando começaram a matar. Houve realmente omissão na investigação”, admite. Segundo ele, há policiais com medo dos criminosos. “O covarde deixa a sociedade desprotegida.”
Família
A família de Ana Clara, que morreu após ter 95% do corpo queimado, cobrou combate à violência por parte do governo, antes da missa de 7º dia, em São Luís. “Ver quem cometeu o crime contra minha filha preso alivia muito, mas não traz ela de volta”, disse o pai, Wenderson de Sousa, de 25 anos.
A família foi à Paróquia Nossa Senhora da Conceição vestindo camisetas com a foto de Ana Clara e do bisavô, Dasico, de 80 anos, que morreu de problemas cardíacos ao saber do ataque à menina. A mãe da criança está internada em Brasília. A Igreja Católica também realizou missas em homenagem à menina em toda a capital. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.