No rastro do sequestro de uma empresária, a Polícia Civil de São Paulo interceptou telefonemas que podem provar o pagamento de propinas e o financiamento ilegal de campanhas políticas em 21 cidades de 5 Estados (São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro) feito pela chamada máfia da merenda. O dinheiro supostamente repassado para políticos e autoridades teria saído de duas empresas, a Verdurama e a SP Alimentação, acusadas pelos Ministério Público Estadual e Federal de serem “coligadas”.
Tudo começou em 25 de agosto do ano passado, quando uma empresária foi sequestrada em Cidade Ademar, na zona sul da capital. No dia seguinte, os sequestradores telefonaram para o marido da vítima e exigiram R$ 1 milhão de resgate. Usaram uma linha de prefixo 8855. A polícia descobriu que naquele mesmo aparelho havia sido colocado um chip cujo prefixo era 8882. Ao pesquisar os dados dessa linha na operadora, policiais verificaram que constava no cadastro de “telefones de contato” uma linha fixa e um outro celular, de prefixo 9668.
A Divisão Antissequestro (DAS) pediu e a Justiça concedeu a interceptação de todas as linhas, pois elas estariam em poder dos sequestradores. No dia 20 de setembro, a vítima foi libertada. Os diálogos gravados de 2 a 17 de setembro nos telefones que supostamente estariam com os sequestradores revelaram uma surpresa. “As conversas versam sobre práticas comerciais pouco ortodoxas, tais como remuneração de secretários municipais, emissão de recibos de valores maiores do que as quantias mencionadas e pagamentos”, diz o relatório encaminhado pela DAS à Justiça.
O telefone 9668 estava cadastrado em nome de Marco Antônio Tressoldi, financeiro da Verdurama. A polícia prendeu dois acusados do sequestro. Entre eles, o técnico em telefonia Joel Scariot, condenado a 16 anos de prisão pela participação no sequestro. Para a DAS, era ele quem arrumava os telefones clonados usados pela quadrilha durante o sequestro. Scariot seria, segundo a polícia, a chave para explicar como o telefone de contato do sequestrador foi parar nas mãos de Tressoldi.
O financeiro da Verdurama aparece falando em cinco interceptações e é citado em outras pelo ex-sócio da empresa, Genivaldo Marques da Silva, o Tiquinho. Ele deixou a empresa em setembro de 2008, quando teve início a investigação sobre a suposta fraude na licitação da merenda na capital paulista.
Em uma das gravações, feita em 8 de setembro de 2008, às 13h36, o empresário conversa com Tressoldi. Tiquinho pede que o financeiro fale com Kátia, pois teriam de arrumar “essa semana 200 paus das campanhas, senão f…”. Tressoldi responde: “Meu Deus do céu. Bom, vamos lá meu, tem que arrumar, vamos arrumar.” O advogado José Maria Trepat Cases, que defende a Verdurama e seus diretores, nega que as conversas digam respeito a propina.
Sete partidos políticos
As conversas gravadas pela DAS mostram supostos pagamentos das empresas da merenda para prefeituras de sete partidos políticos (PT, PMDB, PR, DEM, PDT, PPS e PSDB). As principais conversas envolvem três pessoas ligadas à empresa Verdurama: Genivaldo Marques dos Santos, o Tiquinho, sócio da empresa até o ano passado; o financeiro Marco Antônio Tressoldi; e Luiz Cezar Gonçalves, um gestor contratado.
Nas conversas fica claro que os suspeitos tentaram se aproximar de candidatos a prefeito em Carapicuíba e em São Carlos. Nessa última, dizem que vão encomendar uma pesquisa. Tiquinho diz então para suspender o pagamento na cidade. “Segura que tá perdendo lá, viu.” Fuad Chucre (PSDB) foi prefeito de Carapicuíba de 2001 a 2008. Ele negou qualquer irregularidade. “Foi um contrato como outro qualquer. Que eu saiba não houve nenhum problema com a empresa”, disse.
Os investigados mostram que usam contas bancárias de seis instituições financeiras – Bradesco, Indusval, Daycoval, Safra, BIC e BMG. Elas revelam a insatisfação com a qualidade da merenda fornecida em Ubatuba, Porto Ferreira, Pindamonhangaba, Araçariguama, Monte Mor (em São Paulo) e em Volta Redonda (RJ).
De posse de todo esse material, o promotor de Justiça Orion Pereira Costa determinou o envio de cópias para os promotores de todas as cidades citadas para a apuração de “eventuais crimes”. No próximo dia 11, Gonçalves e Tressoldi estão intimados para serem ouvidos no primeiro inquérito, aberto pela Delegacia de Caraguatatuba.
Defesa
Procuradas, as prefeituras citadas nas escutas disseram que já rescindiram contratos com as empresas ou tiveram os contratos legalmente aprovados. O advogado José Maria Trepat Cases, que defende a Verdurama, reagiu com indignação às suspeitas de pagamento de propina para fornecimento de merenda e “estranhou” que a escuta tenha surgido de um sequestro. “Não há nada que indique suborno nessas conversas”, afirmou. “São diálogos sobre questões operacionais.”
Segundo o advogado, o financeiro da Verdurama, Marco Antonio Tressoldi, comprou seu telefone celular de maneira regular. “Ele foi a uma loja, pagou, tem nota fiscal, o aparelho veio lacrado. Tenho como comprovar tudo isso”, afirmou Cases. “Não faz sentido que a polícia tenha grampeado o telefone dele, com base numa investigação de sequestro.” Sobre a menção a pagamentos feitos a um secretário, o advogado declarou: “Não quer dizer que houve pagamentos à pessoa do secretário, mas a uma secretaria. Há prefeituras em que as merendeiras são pagas por uma empresa terceirizada.”
Em nota, a SP Alimentação informou que “só vai se pronunciar pelas vias judiciais depois de ser informada oficialmente”, pois vem sendo “constantemente surpreendida por informações veiculadas pela imprensa, em vez de ser comunicada pelo Ministério Público”.
A prefeitura de Arujá informou que a Verdurama prestou serviços de fornecimento e merenda e cestas básicas, mas o contrato se encerrou na gestão anterior. O Executivo de Paulínia esclareceu que “nenhuma empresa fornece merenda ou gêneros alimentícios”. A prefeitura de Barueri informou que já teve contrato com a Verdurama, mas ele foi rescindido por iniciativa da própria prefeitura, “em função da insatisfação com os serviços prestados por essa empresa, que perderam muito em qualidade”. A prefeitura de Limeira afirma que o contrato dela com a SP Alimentação se encerra no dia 7.
A Prefeitura de Monte Mor afirmou que o contrato com a Verdurama foi encerrado e a empresa foi multada em mais de R$ 1,5 milhão por irregularidades na prestação de serviços. A prefeitura de São Carlos informou que não tem nenhum contrato com a Verdurama e SP Alimentação e não foi notificada pela polícia sobre nenhum processo. A prefeitura de Pindamonhangaba afirmou que não recebeu doações da Verdurama, mas confirma o contrato com a empresa.
A prefeitura de Porto Ferreira tinha contrato com a SP desde 2005, quando abriu sindicância para investigar os serviços prestados. Em 2007, realizou pregão vencido pela Verdurama, contrato endossado pelo Tribunal de Contas do Estado. A prefeitura de Jardinópolis informou que a Verdurama não presta mais serviço para o município. Sapucaia do Sul afirmou que os serviços de merenda foram municipalizados pela atual gestão e os contratos estão encerrados.
A prefeitura de Itapevi manteve contrato com a Verdurama até o início do ano. Há processo em andamento na Promotoria da cidade e o município afirma que tem se colocado à disposição do Ministério Público. A prefeitura tem contrato com a SP Alimentação, que é fornecedora da merenda, cujo contrato foi aprovado pelo Tribunal de Contas. A prefeitura de Araçariguama afirma que rompeu amigavelmente o contrato com a Verdurama em março. A prefeitura de Piracicaba informou que o município não é atendido por Verdurama e SP Alimentação. As demais prefeituras não responderam os e-mails encaminhados pela reportagem.