Brasília e São Paulo – A paralisia do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que vem sendo apontada por lideranças da oposição, está refletida no balanço trimestral da execução orçamentária, divulgada anteontem pela Secretaria do Tesouro Nacional, órgão subordinado ao ministro da Fazenda, Antônio Palocci.
O governo federal reduziu as liberações do Orçamento da União e desembolsou apenas 37% do que estava empenhado para custeio e investimento no primeiro trimestre em 2004.
Dos R$ 46,752 bilhões empenhados, houve a liberação efetiva de R$ 17,233 bilhões. No mesmo período de 2003, a execução chegou a 50,2%. Um dos ministérios mais prejudicados foi justamente o do Desenvolvimento Agrário, que vem sendo pressionado pelo MST e recebeu somente 7,8% dos R$ 255,6 milhões já autorizados para despesas.
Em artigo assinado e distribuído ontem pela secretaria nacional, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) defendeu a ocupação de áreas produtivas justificando a necessidade de discutir a função social que os donos de fazendas dão às suas propriedades. Desde 27 de março, o movimento invadiu 99 fazendas. Até ontem, o MST havia invadido 88 propriedades em todo o país. A ofensiva faz parte do chamado “abril vermelho”, organizado para marcar a luta pela reforma agrária. Nesse período, 28.163 famílias ocuparam terras em 17 estados.
No documento, o MST diz ainda ter considerado “muito adequado” o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante o seu programa quinzenal de rádio, na segunda-feira. Nele, Lula manda um recado aos sem-terra dizendo que o radicalismo não ajuda. “O MST considera a fala do presidente muito adequada ao momento, e reflete também nosso pensamento”, diz um dos trechos do artigo intitulado “O MST e a Lei”. Para o Movimento do Trabalhadores Rurais Sem Terra, as invasões não significam radicalização.
Sobre a invasão de áreas produtivas, o MST diz que essas áreas não estariam sendo bem exploradas: “Mesmo quando ocupamos uma área considerada produtiva, o que queremos discutir com a sociedade não é o grau de produção daquela área, mas sua função social, ou seja, se o proprietário respeita a legislação sobre o meio ambiente, as leis trabalhistas, se a propriedade está sendo explorada para o bem dos trabalhadores ou apenas do proprietário”.
A maior parte do dinheiro para projetos como a reforma agrária saiu dos chamados restos a pagar (R$ 66,7 milhões), que são recursos empenhados e não gastos em anos anteriores. Ao divulgar os dados, o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, rejeitou a acusação de que o governo Lula é lento para administrar, que vem sendo feita pelas principais lideranças da oposição ao governo no Congresso Nacional.
Disse que cada governo tem seu ritmo próprio. “O ritmo não está dramaticamente lento. Não é o governo que está parado, é que o governo tem o seu próprio ritmo”, afirmou Levy, ao divulgar pela primeira vez as informações das liberações efetivas do Orçamento da União.
Uma das áreas preservadas pelo ajuste fiscal tem sido o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que recebeu 88% dos R$ 3,369 bilhões empenhados no primeiro trimestre. Também foram gastos R$ 128 milhões em restos a pagar na área social. No ano passado, havia uma estrutura diferente. O Ministério da Assistência Social conseguiu liberar 85% do R$ 1,211 bilhão empenhado no primeiro trimestre de 2003.
Na Educação, apenas 30,7%
Ainda de acordo com os dados divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional, a execução do Ministério da Educação também ficou abaixo do previsto. De acordo com o relatório, ficou em 30,7% dos R$ 2,991 bilhões empenhados, mais os R$ 643 milhões dos restos a pagar. O volume total chega a R$ 1,564 bilhão. Nos três primeiros meses de 2003, a Educação teve 53% dos recursos autorizados para gastos. De janeiro a março deste ano, o Ministério da Saúde recebeu 61% dos R$ 9,285 bilhões previstos, sem contar mais R$ 998 milhões de anos anteriores liberados agora, totalizando R$ 6,706 bilhões neste ano.
Já Ministério dos Transportes, criticado pelo péssimo estado em que se encontra grande parte das estradas brasileiras mantidas pela União, teve liberação de apenas 13% dos R$ 932 milhões empenhados para o trimestre e mais R$ 257 milhões de restos a pagar. O total para projetos como reformas de estradas alcançou R$ 378 milhões nos primeiros três meses de 2004
Segundo Levy, o cálculo de despesas com custeio e investimento deve incluir também os chamados restos a pagar, que atingiram R$ 3,835 bilhões no primeiro trimestre deste ano. Nos três primeiros meses de 2003, o governo Lula pagou R$ 3,343 bilhões de custeio e investimentos deixados por Fernando Henrique Cardoso e que não foram executados. Levy informou que foram gastos no primeiro trimestre apenas R$ 300 milhões dos R$ 9 bilhões previstos para este ano em investimentos dos ministérios.
Mas o governo desembolsou R$ 750 milhões dos restos a pagar em investimentos. O total de recursos para investimentos alcançou R$ 1 bilhão de janeiro a março deste ano. “Como em anos anteriores, a tendência agora é que se acelerem as liberações de investimentos daqui para frente”, disse Joaquim Levy, acrescentando que os dados de execução orçamentária passarão a ser divulgados mensalmente.
Abertura
A abertura pública das informações do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) acontece num momento em que o governo enfrenta críticas por segurar a liberação de recursos orçamentários. A divulgação dos dados do Siafi também era uma antiga reivindicação de parlamentares e ONGs, que monitoram principalmente as despesas na área social.
“Por problemas técnicos e pela quantidade de informação, é impossível abrir o Siafi inteiramente para consultas públicas sob o risco de travar o sistema de informática”, disse Levy, ressaltando que a intenção é abrir cada vez mais os números para consulta pública, a fim de democratizar o processo de acesso às informações. A primeira parte das informações do Siafi foi colocada em uma das páginas do Ministério da Fazenda na internet (www.tesouro.fazenda.gov.br/siafi/index-informacoes – siafi.asp).
Internet facilita acesso a dados
Como forma de ampliar a transparência na gestão dos recursos federais e o controle social dos atos do Executivo, órgãos do governo mantêm páginas na internet que permitem acesso simplificado aos usuários interessados. Um exemplo é a página da Secretaria Federal de Controle Interno, órgão vinculado à Controladoria Geral da União e que dispõe de um sistema de consultas pelo qual o cidadão pode ter acesso aos convênios firmados entre o governo federal e as entidades sediadas nos municípios.
As consultas apresentam dados detalhados sobre convênios da administração direta, autarquias e fundações com instituições localizadas nos municípios e vinculadas às prefeituras, órgãos federais, estaduais ou entidades não governamentais. O sistema permite que entidades públicas, parlamentares e a sociedade tenham fácil acesso às informações sobre os convênios e o andamento das atividades realizadas com recursos da União.
A iniciativa demonstra o esforço para a participação social na gestão federal, afirmou o deputado Durval Orlato (PT-SP). “Vários setores do governo, inclusive a Câmara, têm dado maior transparência ao conhecimento do gasto com o dinheiro público. Se ainda não é um sistema perfeito de apresentação das contas do governo, há o esforço que tem sido mais eficiente e transparente do que nos governos anteriores”, disse.
O deputado é autor de um projeto para permitir o acesso do usuário a um cadastro geral nacional de todas licitações aprovadas pelos governos federal, estaduais e municipais. “É mais uma maneira de o cidadão saber se o preço pago por produtos como merenda escolar ou saúde, por exemplo, está em consonância com preços de outros municípios ou estados.”
“O surrealismo chegou”
O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), criticou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmando que “o governo não governa, não executa, não consegue fazer a máquina andar”. Para ele, “o surrealismo chegou” com uma das notícias publicadas esta semana pela imprensa informando que até o presidente da República estaria pressionando o ministro da Fazenda a mudar a meta de inflação do ano que vem.
O líder do PSDB leu notícia em que o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo alerta que a invasão de terras com plantio de pinheiros e eucaliptos da empresa Klabin, exportadora de papel e celulose, pode levar os empresários a adiarem seus investimentos, prolongando o desemprego no país.
A senadora Heloísa Helena (sem partido-AL) observou que ficava constrangida ao ouvir críticas de Arthur Virgílio ao governo. “Porque tudo isso é culpa da ambivalência deste governo. Se o presidente anterior disse para que esquecessem o que ele escreveu, agora teríamos de dizer: esqueçam o que eu escrevi e falei “, afirmou.