O governo de São Paulo assinou contratos e tem licitações em andamento para reforçar, de maneira ainda não vista no Brasil, os sistemas de vigilância eletrônica sobre os cidadãos. Oficiais da Polícia Militar têm mantido intercâmbio com forças policiais dos Estados Unidos, de Israel e, principalmente, da China, para criar um modelo nacional de monitoramento de massas, sob o argumento de melhorar o enfrentamento da criminalidade.

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Especialistas fazem ressalvas à proposta lembrando que as causas da criminalidade são uma combinação de vários fatores – não a falta de câmaras – e que o monitoramento eletrônico em outros países serviu para o reforço de estereótipos, criando zonas de exclusão.

Nas rodovias estaduais, 220 novos radares que fazem a leitura das placas dos automóveis estão sendo instalados até o fim do ano nas fronteiras do Estado, em pontos indicados pela Polícia Militar, reforçando os 548 já existentes. Nas estações do Metrô, uma empresa foi contratada por R$ 58 milhões para fazer reconhecimento facial de passageiros nas estações. Há ainda a compra de 208 drones silenciosos, que não são perceptíveis por quem está no chão.

Essas três licitações, conduzidas pela Secretaria Estadual de Logística e Transporte, pelo Metrô e pela PM, têm uma estimativa de custos de ao menos R$ 80 milhões. As informações colhidos por todos os sistemas irão para a base de dados da PM e da Polícia Civil.

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Além dos equipamentos, a polícia já dispõe de sistema integrado de dados que armazenam informações criminais e também os dados fornecidos pela Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SAP), pelo Departamento Nacional de Trânsito e até pela Serasa Sperian, consultoria que faz análise de crédito. “Estamos buscando empresas que fazem também monitoramento de redes sociais”, afirma o secretário executivo da PM, coronel reformado Álvaro Camilo.

Na prática, os policiais podem, com uma busca, saber por onde passou qualquer automóvel. Nos mapas eletrônicos, já são mostradas imagens de pequenos homens vermelhos em alguns endereços – que indicam a casa onde mora uma pessoa que já foi presa.

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Segundo Camilo, o sistema da polícia conta com câmeras de 97 municípios do Estado, que têm convênios com a PM, e com nove associações comunitárias ou empresas, que também cedem seus materiais. “Queremos o maior número possível”, afirma.

O coronel diz que a tecnologia é uma aliada do planejamento da segurança e destaca ainda que softwares estão sendo adquiridos para analisar impressões digitais de cenas de crimes. “Uma vantagem que temos em relação aos Estados Unidos é que eles não têm cadastro prévio dos cidadãos. Não têm registro. Aqui, temos registro do RG e da Carteira Nacional de Habilitação.”

Camilo nega que tanto aparato tecnológico possa trazer riscos à privacidade das pessoas. Segundo o coronel, as informações sobre crimes são usadas para o planejamento estratégico – como a criação de “mapas de calor” dos locais violentos. Já as informações pessoais, diz ele, são usadas apenas em investigações e todos os acessos são monitorados. “As imagens, quando puxadas do sistema, vêm com marca d’água, identificam quem obteve”, afirma.

O coronel aponta exemplos. Diz que, caso um veículo seja usado em um roubo, é possível ver se, nos radares pelos quais esse carro passou, outros carros passaram junto com ele em mais de uma vez, o que poderia indicar que estavam juntos. Essas informações levariam a mais suspeitos. O reconhecimento facial seria usado em grandes eventos esportivos. E os drones, explica, poderiam ser adotados em operações especiais em “comunidades” ?- termo que Camilo usou para se referiu a favelas.

O modelo, defende, traz também mais transparência à PM. Uma das licitações em estudo é para a compra de 2 mil câmeras pessoais, que ficam no peito do policial, filmando todas as ações. A meta é comprar 20 mil – equivalente ao número de agentes em campo em cada turno.

“A polícia já está chegando de forma mais rápida nas ocorrências. Por isso que estão ocorrendo mais confrontos”, diz o coronel, ao justificar o crescimento dos índices de mortes praticadas por policiais. “Eles (criminosos) não querem ser presos”, diz. “Mas não está havendo aumento de mortes por confronto. É que está havendo mais confrontos”, afirma.

A expectativa é que essas informações possam ser usadas para outras ações. No caso das câmeras nas rodovias, o Estado também conseguiria identificar pessoas que estão circulando com impostos do carro em atraso. “Com as estatísticas, conseguimos planejar ações de engenharia de trânsito”, diz o secretário João Octaviano.

Riscos

O sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, doutor em Ciências Políticas pela USP, ex-presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação e professor da Universidade Federal do ABC, destaca que as políticas de “vigilância absoluta”, como ele descreve, podem levar a casos de discriminação. Para Silveira, não há formas adequadas, ao menos por ora, de as forças de segurança reagirem aos “falsos positivos e falsos negativos” – ou seja, quando os sistemas dizem, de forma errada, que um inocente é o suspeito ou vice-versa.

“As causas da violência não são a falta de câmeras. São outros fatores. O aumento da vigilância aumenta os sistemas repressivos, o que causa prejuízos para o cidadão comum”, afirma. “Dependendo da cultura policial, pode ser um desastre”, continua. O especialista argumenta que em alguns lugares do mundo os algoritmos que norteiam esses sistemas acabaram por dar mais alertas para certos grupos étnicos ou regionais. “Ficaram racistas”, analisa. “A cidade de São Francisco (EUA), no centro do Vale do Silício, proibiu recentemente o uso de reconhecimento facial”, comenta o especialista.

Já o sociólogo Arthur Trindade, professor da Universidade de Brasília, membro do Fórum Brasileiro da Segurança Pública e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, também destaca os riscos à privacidade do cidadão comum.
“Essas imagens, se não forem bem protegidas, podem resultar na descoberta de algo constrangedor e alguém ser chantageado”, analisa Trindade.

Mas ele alerta que o risco é todo esse aparato tecnológico – que para ele pode sim ser um fator de desequilíbrio contra a criminalidade – terminar sendo um “elefante branco” se não for usado adequadamente pelas equipes de inteligência.

“É preciso haver mudança na doutrina da polícia”, diz, de forma que a corporação mude procedimentos operacionais – o que às vezes se mostra difícil -, para incorporar essas ferramentas ao dia a dia e explorar todo o potencial delas para prevenir, reprimir e esclarecer crimes”, conclui o especialista. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.