Brasília – A dificuldade do governo para cumprir promessas e acordos está semeando discórdia entre aliados, que acusam o governo de não zelar muito pela palavra empenhada. Na semana passada, num ímpeto de rebeldia, a governadora do Rio Grande do Norte, Vilma Faria (PSB), se recusou a esperar pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Fortaleza, onde se reunira com os colegas do Nordeste. Vilma expôs sua irritação a outros governadores da região. “Esperem vocês, que são bem tratados. Vou embora”, avisou.
É por essas e outras que o governo reúne esta semana uma equipe de ministros para finalmente traçar o cronograma de liberação de pelo menos R$ 3 bilhões para atendimento das emendas de senadores e deputados governistas. É uma tentativa de aplacar a tensão na base governista. Não é à toa. Discussões acaloradas, reuniões turbulentas e rompantes de rebeldia marcaram a relação entre governo e aliados na semana passada. A queixa é única e suprapartidária: o governo não honra suas promessas, não só de nomeações mas também de liberação de recursos para programas anunciados com estardalhaço.
Essa será a terceira vez, apenas em março, que o governo apresenta aos líderes aliados um calendário para o atendimento das emendas. Os líderes esperavam para a segunda-feira passada uma liberação expressiva de recursos, dando fim a uma novela que se arrasta desde novembro. Na semana passada, o líder do PTB, José Múcio Monteiro (PE) não se conteve quando, numa reunião política tentaram mostrar-lhe mais um cronograma de liberação de emendas para a bancada. “Não quero ver essa lista. Para mim, isso é ficção”, reagiu Monteiro.
Reclamação
A aliados, Vilma Faria se queixa de ter ido a Brasília no fim do ano passado para a assinatura de um convênio de distribuição de energia que não se concretizou. Não é a única a reclamar. Até o petista Welington Dias, governador do Piauí, foi a Brasília para protestar. Em novembro passado, Lula anunciou um programa de saneamento no Piauí. Após quatro meses, o projeto de R$ 33 milhões não saiu do papel. “O presidente precisa saber que entre a boa vontade dele e de seus ministros e a realidade existe um abismo”, diz Welington.
O governador Eduardo Braga (PPS) endossa as críticas. “Estivemos ano passado em Brasília para a assinatura de um convênio na área de saneamento. O dinheiro não chegou aos cofres dos estados”, diz. Autor do levantamento sobre execução orçamentária, o deputado tucano Eduardo Paes (RJ), alfineta: “É um governo virtual no que diz respeito à execução de programas. O presidente continua sendo um talento na comunicação e no marketing e seus auxiliares uma verdadeira tragédia na execução”, comenta.
As restrições orçamentárias não são o único foco de insatisfação entre os aliados. A frustração de acordos fechados ainda em 2003 para a ocupação de cargos federais é mais uma causa de abalo na base do governo. Não é só. O governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto (PMDB), está inconformado com a decisão do governo de reduzir em R$ 2,5 bilhões o montante do Fundo de Compensação das perdas sofridas pelos estados com a isenção do ICMS sobre exportações. Para os governadores, o acerto somava R$ 8,5 bilhões. Para o Ministério da Fazenda, são R$ 6 bilhões. “Não é possível! Não estou louco, guria! Foi um anúncio público. O ministro Palocci concordou com R$ 8,5 bilhões”, repete Rigotto.
Investimento foi de 0,88%
Brasília
– A inquietação da base pode ser ilustrada em números. Até o dia 17, passado o primeiro trimestre de 2004, foram liberados apenas R$ 103,2 milhões (somente 0,88%) dos R$ 11,7 bilhões previstos para investimentos no orçamento deste ano. Do montante liberado, R$ 47 milhões, quase a metade, foram destinados à compra do novo avião presidencial.Segundo dados do Sistema Integrado de Acompanhamento Financeiro (Siafi), o primeiro ano de governo foi austero. Dos R$ 13,9 bilhões programados para investimentos em 2003, foram pagos apenas 3,7 bilhões (26,6%), sendo que R$ 1,4 bilhão só foi liberados este ano.
Problemas
O governo vai tentar neutralizar a ira dos aliados, mas há novos problemas à vista. Numa reunião de governo, ficou acertado que o texto da chamada PEC paralela, aprovada no Senado como condição de votação da Reforma da Previdência na Casa, será modificada na Câmara. Isso joga por terra os acordos avalizados pelos líderes governistas no Senado.
“Essa PEC paralela aumenta de R$ 9,6 mil para R$ 17,2 mil o salário de deputados estaduais; causa um efeito cascata nas câmaras de vereadores; cria uma previdência própria para a Polícia Civil. E o Senado aprova isso e ninguém diz nada. Vou ver isso no meu relatório”, antecipa o relator da proposta, José Pimentel (PT-CE).
Líderes do PL e PTB reforçam críticas
Rio – O presidente do PL, Valdemar Costa Neto (SP), está inconformado com a frustração do acordo para indicação de dois diretores, um do Banco do Brasil e outro da Caixa Econômica Federal (CEF). O PTB também reclama. Em dezembro, mesmo depois de duplicada a bancada, o partido ficou apenas com o Ministério do Turismo. Por trás do gesto de generosidade, um acordo que previa a nomeação de Roberto Salmeron a presidente da Eletronorte e a promoção do hoje diretor de Recursos Humanos dos Correios, Antonio Osório, para a diretoria de administração da empresa.
No congresso, aliados reclamam do tratamento preferencial concedido a um grupo de peemedebistas. Citam, como exemplo, a nomeação de João Henrique para a presidência dos Correios. Mas a benesse do governo não chega até ao baixo clero do PMDB. Na quarta-feira, o encontro da bancada de deputados foi de lamentação. Os peemedebistas protestaram contra concentração de poder na mão dos senadores, especialmente o presidente do Senado, José Sarney, e o líder Renan Calheiros (AL), além do atendimento apenas às reivindicações da chamada oposição no partido.
Nos próximos dias, o governo será palco de um debate sobre a PEC paralela da Previdência. Numa reunião entre articuladores do governo, ficou acertado que o texto, saído do Senado como condição para a aprovação da reforma da Previdência, não será preservado.
O líder do governo na Câmara, Miro Teixeira (sem partido-RJ), ainda sustenta a necessidade de manutenção do acordo feito com os senadores: “É um compromisso do governo. Mesmo que o relator decida por modificações, a matéria será submetida ao plenário. Foi um acordo feito no Senado, sem o qual a reforma previdenciária não teria sido aprovada!”, disse. Miro já procurou o líder do PT, Arlindo Chinaglia (SP), para avisar que o acordo tem que ser cumprido.
O que Lula prometeu e não conseguiu cumprir
Rio
– MOSSORÓ: Lula disse, em dezembro do ano passado, em discurso em Mossoró (RN), que voltaria ao interior do Estado em 50 dias para se banhar num poço aberto pela Petrobras com vazão de 300 mil litros de água/hora. Até hoje, segundo a assessoria da governadora Vilma Faria, não voltou e o poço continua fechado.SÃO FRANCISCO: No mesmo discurso, Lula afirmou que não havia prometido na campanha fazer a transposição do Rio São Francisco porque é preciso conhecer a fundo o projeto. Mas garantiu que faria a transposição. No ano passado, mesmo com recursos previstos, o dinheiro não foi liberado para a obra.
SANEAMENTO AMBIENTAL: Em outubro de 2003, na abertura da I Conferência Nacional das Cidades, Lula anunciou a criação de um grupo interministerial para apresentar, em 90 dias, uma nova política e um novo marco regulatório para o saneamento ambiental no País. Após quase cinco meses, o projeto ainda não foi apresentado.
MORADIA: Também na conferência, Lula garantiu R$ 5,3 bilhões para construção e reforma de moradias, atendendo a 300 mil famílias e gerando 470 mil empregos. De acordo com a assessoria do Ministério das Cidades, foram executados R$ 4,2 bilhões (95% da meta), totalizando 284,4 mil atendimentos habitacionais.
MULHERES: No dia 27 de outubro, na posse do Conselho dos Direitos das Mulheres, Lula prometeu implantar o Programa de Prevenção, Assistência e Combate à Violência Contra a Mulher. No ano passado, apenas 15% da verba prevista fora liberada.
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