Brasília – O governo federal está finalizando o texto de um projeto de lei que promete atiçar o debate entre os que defendem a preservação integral da Amazônia e aqueles que pensam num projeto econômico para a floresta. A proposta, elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente e que agora está sendo ajustada na Casa Civil, prevê a privatização de áreas de floresta localizadas em terras públicas, seja do governo federal, de estados ou municípios.
A idéia é mapear as faixas de floresta que estejam fora de unidades de conservação e dividi-las em blocos que serão concedidos à iniciativa privada por licitação. Qualquer empresa poderá participar, inclusive as estrangeiras que têm seus braços no Brasil. O Ministério do Meio Ambiente calcula que, para produzir de forma sustentável os 30 milhões de metros cúbicos de madeira consumidos anualmente na Amazônia, será preciso abrir à iniciativa privada algo em torno de 50 milhões de hectares de florestas. Ou seja, 15% de toda a região amazônica – uma área quase igual à da Bahia e maior do que os estados do Rio, São Paulo e Espírito Santo somados.
O governo pretende cobrar das concessionárias pelo volume dos produtos retirados da floresta. Apesar de ter como foco a extração de madeira, a proposta prevê ainda a exploração de outros bens naturais, como frutos, resinas e plantas ornamentais, por exemplo. Já existe até uma conta preliminar de quanto as concessões gerariam para os cofres da União: algo em torno de R$ 200 milhões por ano, metade do orçamento do Ministério do Meio Ambiente.
Pela última versão do texto, os vencedores das licitações teriam direito a explorar os recursos naturais das florestas, mas não ganhariam a propriedade da terra. O ministério diz que as regras serão rígidas e que, em qualquer tempo, o governo poderá cancelar o contrato se o concessionário extrapolar os limites do edital de licitação.
“O mais importante dessa estratégia é que hoje não existe um mecanismo sustentável de terras públicas e agora passaremos a ter”, reforça o diretor do Programa Nacional de Florestas do ministério, Tasso Azevedo. Antes mesmo de chegar ao Congresso Nacional, o projeto já causa furor entre profissionais ligados à causa da Amazônia. “Isso é um ato criminoso de uma meia-dúzia que se assenhoreou do Ministério do Meio Ambiente. Se nós ainda não temos bons exemplos de exploração sustentável, como vamos abrir as florestas aos outros, inclusive aos estrangeiros?”, indaga o geógrafo Aziz Ab?Saber, ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Para o engenheiro agrônomo Flávio Garcia, do Movimento em Defesa da Amazônia, a proposta é um atentado à soberania: “Por trás disso tem o desejo inexplicável de entregar grandes áreas da Amazônia ao capital estrangeiro. É a globalização da Amazônia”.
Mais da metade da floresta em risco
Belém – Um dos primeiros alvos do projeto do governo pode ser a Floresta Nacional do Tapajós, no Pará, área com cerca de 2.560 quilômetros quadrados. Atualmente sob jurisdição do Ibama, foi criada em fevereiro de 1974 pelo então presidente Emílio Médici. Para quem faz pesquisas na área, a simples idéia de “privatização” da floresta é um risco. “Isso demonstra a incapacidade do governo federal de gerenciar essas áreas e a necessidade de salvaguardar os recursos naturais encontrados nesses espaços”, diz o pesquisador Wilker Nóbrega, cujo mestrado é sobre o uso da floresta para turismo.
Na Amazônia existem pelo menos 54% de terras públicas devolutas sob risco de invasão ou ocupação desordenada por madeireiras, fazendeiros e garimpeiros. Só na região Centro-Sul do Pará existem 23 mil quilômetros de estradas informais, construídas por garimpeiros e madeireiros. Para o pesquisador do Instituto de Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) Paulo Barreto, isso demonstra a necessidade de o governo intervir na região sob o risco de perdê-la definitivamente. Barreto viajou até a Austrália para conhecer projeto semelhante ao que o governo brasileiro pretende implementar na região amazônica.